terça-feira, 18 de junho de 2013

A (r)evolução individual

Raros são os momentos onde temos total controle sobre eles. Numa divagação breve e calculista é possível se derreter diante da constatação de que são praticamente fictícios. Somos frutos de um sistema maior do que o político, o econômico. Somos parte de uma sociedade. Somos uma raça. Uma só, ouviram?

Felizmente, isso não quer dizer que somos iguais. Somos raça heterogênea, que vive, pensa e age diferente de todos - sem exceção – os seres racionais que dividem essa fatia de tempo na Terra.

Ontem, 17 de junho de 2013, presenciamos uma parcela da parcela brasileira da raça sendo representada na rua. Pois, apesar das diferenças, um sentimento é uníssono por aqui: a injustiça. E é ele que moveu e moverá muita gente a se juntar a uma indignação coletiva e totalmente legítima.

Tão rápido quanto à união, surgem as divergências. Normais e saudáveis. Mas como tudo o que é humano, as diferenças vêm acompanhadas de paixões. E a pior delas – sei bem porque luto contra ela todos os dias – é a paixão por estar certo.

É dela que nasce a intolerância. O muro que separa os indivíduos da sabedoria.

Depois de milhares de litros de cerveja, de centenas de horas e muita saliva jogada fora em conversas de bar, conseguimos dar à luz o discurso. Ver e participar do que parecia uma foto velha num livro didático. Agora meus amigos, é preciso respirar e aliviar as paixões. A razão é o que vai manter o discurso vivo.

Mas qual será o discurso?

Sugiro começar pelo começo. Terminar o que foi iniciado. Baixar a tarifa. Sem a intolerância de ideias. Sem disputa por bandeiras. A paixão por estar certo é uma cilada. Uma cilada que abocanhou quem já quis mudar o país pra melhor no passado.

Nem direita. Nem esquerda. Nem revolucionário. Nem burguês.


Somos a parcela da parcela brasileira da raça humana e o nosso prazer de estar certo é um deleite individual e egoísta. E claro, não vai mudar porra nenhuma.

A propósito. Pode dizer que estou errado. É perfeitamente possível.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Revoluir



Aguardo pacientemente a revolução. Sentado em um banco de praça, vendo as rodas pequeninas de um lado para o outro. Observando o sorvete se liquidificando debaixo dos raios de sol. Ouvindo os carros e toda forma de atrito gerado pela física urbana. 

Queria eu ter a sagacidade e competência para olhar feito raio X para as mazelas do mundo. Encontrar os minúsculos ferimentos incrustados nas unhas podres da sociedade. Mas eu não posso. Eu não consigo. Talvez eu esteja enganado. Nem quero.

Sou fraco demais para a revolução. Só pretendo amar e mudar as coisas, como a alucinação de Belchior. Aliás, há vezes que acho que realgumacoisar é perda de tempo. Revoluir é um verbo que se quer existe. Acho que ele tem um r sobrando. Acho que é isso.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A Puta Que Te Brasil

"Ah o Brasil...
No Brasil...
No Brasil...
Tudo é sujo,
Tudo é caro,
Raso e brasileiro.

Queria mesmo
Ser de fora
Pagar as contas
Em dólar
Ter motivos
Mais nobres
Pra me preocupar."

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Disquerta

Proponho um novo pensamento.
Um raciocínio sem direção
Focado em outra dimensão.
A profundidade.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Hora Dela


O melhor que posso ser eu nem sei como é
Mas consigo, ainda sim, me sentir completo
Quando imagino a parte que me falta
Com a cabeça em seu travesseiro
E a saudade entre os pensamentos
Exalando o perfume que costumo sentir ao acordar
Arrepiando a pele que costumo tocar
Quando imagino 
Não vejo a hora dela voltar

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Açúcar Demais

A campainha toca e nada faz Fernando pensar que seria melhor atendê-la do que interromper o estranho ritual que pratica todos os dias, para ao fim de um copo vitaminado ter renovada sua perseverança no árduo objetivo de conquistar dois centímetros a mais na protuberância dos braços.

Largou a colher mergulhada num copo de leite, limpou as mãos e o pouco suor da testa com o pano de prato. Pisava duro. Claro. Aprendera a técnica para reforçar a imagem de rato de academia. Pra impor mais respeito apanhou uma banana na penca antes de ir.

Abriu a porta e perguntou para a simpática moça o que aquela câmera fazia ali. A garota, posicionada a frente do camera man, apenas pediu um pouco de açúcar. Que ofensa! "Açúcar? O veneno dos deuses." pensou ele. Retrucou que não tinha o que ela pedira e desconfiado fechou a porta.

Dois meses depois Fernando liga a televisão e vê a moça do açúcar, de biquíni falando algo sobre afinidade. Levantando as sobrancelhas pensou "que coisa". Tomou mais um pouco do shake e foi comprar uma câmera.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Vote nas Meias

Se for pensar pelos critérios da dimensão, é claro que qualquer província torna-se incomparável com um mero cubo mobiliado que carinhosamente chamamos de quarto. Porém o cuidado com as próprias meias aos seis anos de idade pode denotar habilidade – ou falta de – para assuntos de governança.

Nunca votem em mim. Confundo meus pares de meias, dobro sem nenhum resquício de geometria os meus cobertores e perco pecaminosamente as minhas canetas. Ou seja, se não consigo cuidar das minhas próprias miudezas, como seria a minha vida cuidando da sua?

Infelizmente não tivemos, e é provável que nem venhamos a ter, a possibilidade de conhecer as mães dos políticos dos quais disputam, ferozes, a nossa preferência. De certo que perguntaria sobre as meias. Mas principalmente sobre a falta de surra que tanto lhes faz necessária hoje em dia.

Filhos das putas!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Giba


O topete. O problema é o topete. Não consegue de jeito nenhum ajeitar os fios de cabelo de forma que os deixem no formato e curvatura suficientemente elegantes para o seu próprio agrado. Já são quase duas da tarde e o topete ainda não está legal. Após mais uma olhada no espelho de mão e outro suspiro de descontentamento, o pequeno Gilberto resolveu abstrair e procurar alguma forma de entretenimento. Como costumamos fazer com a dor, para não lembrar dela pedimos cócegas.
Levantou da gorda cadeira revestida de couro, espreguiçou-se e arranjou a gravata. Com o polegar opositor e o indicador abriu uma fresta na persiana e avistou o velho Viaduto do Chá. Viu os plebeus se trombando feito formigas e fez uma carinha de nojo. Só de lembrar da campanha eleitoral quase caiu de náuseas e correu para o álcool em gel.
Essa lembrança lhe deu uma ideia. Seria ótimo proibir o contato com o povo. Ainda mais nessa época da internet.
Apertou a tecla do telefone desinfetado e chamou a secretária.
_Cirlene, você poderia convocar o escrivão, por favor? Tive outra excelente ideia para um projeto de lei. Os vereadores vão adorar!
_Sim senhor, senhor Gilberto.
_Senhor? Olha lá como me chama Cirlene. Nada abaixo de excelentíssimo me agrada.
_Sim senhor, senhor excelentíssimo.
_Puta merda Cirlene. É “sim, excelentíssimo Gilberto”.
_Sim senhor.
_Ah vai se fuder! Você está proibida de ser minha secretária.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Faz Nada

Se não faz rir
Nem pensar
Se não faz sentir
Nem chorar
Só pode não ser arte...
...nem amor.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Lábios Rubros


O barulho líquido que faz a cerveja ao cair no copo roubou a atenção que ele prestava àqueles lábios lindos e rubros. Sem se dar conta de que o que saia deles percorria um caminho tortuoso de um ouvido a outro, porém sem a devida parada na consciência. Sabia que na verdade qualquer palavra proferida por ela soaria bem. Como todas as outras vezes preferia ouvir a falar. Afinal não encontrava motivos para interromper o deleite da observação. Novos contornos se exibiam a cada novo encontro. Novas razões para continuar calado, observando e criando na fertilidade da imaginação um cenário perfeito em tempo, lugar e situação. A garganta permanecia seca, mas a cerveja veio salvá-lo.
Ela pensava em duas situações. Quem realmente ele era e o que ele queria. Apesar de saber muito sobre o sujeito, tinha lá suas dúvidas quanto aos desejos e intenções do rapaz. Alguma coisa naquelas sobrancelhas dizia que valia a pena tentar descobrir, mas os olhos que não desgrudavam dos lábios a incomodavam, mesmo que isso também causasse uma estranha sensação de satisfação. Incrivelmente pensava em tudo isso sem deixar de falar um só segundo.
Ele via a noite nascer por detrás dos cabelos dela. Questionou-se se aquele tipo de encantamento poderia ser cessado quando quisesse. Desesperado caiu em si que não. Iniciou uma sequência devastadora de piscadas rápidas, a fim de umedecer as córneas. Ajeitou-se diversas vezes na cadeira. Bebeu de uma só vez a cerveja espumada do copo americano. Ficou tão inquieto que pediu licença interrompendo a oratória da garota dos lábios rubros e foi ao banheiro. A essa altura crente de que água no rosto traria o efeito de um bom tempo passado.
Ela assustou-se com o repentino sobressalto. Preocupada abandonou a elaboração de teorias sobre o futuro e suas escolhas. Levantou e foi à porta do banheiro saber se ele estava bem. Bateu delicadamente e perguntou com as pontas dos dedos o que ele tinha. Ele respondeu que estava bem, que só tinha levado um susto.
Ao ouvir a voz dos lábios rubros sem vê-los pela primeira vez, percebeu que a voz era tão doce e aveludada quanto a imaginava por inteiro. E o tom preocupado que ela tinha empregado na interrogativa fez sentir-se melhor, mais sereno.
Ela respondeu que o esperava de volta, na mesa.
Ele disse que já estava indo.
Ela só queria vê-lo e ter a certeza de que estava bem.
Ele jogou mais água no rosto.
Ela já não pensou em mais nada.
Ele também não.
Eles conversaram o resto da noite e pela manhã os lábios já não eram mais rubros.
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