sexta-feira, 30 de julho de 2010

Só mais uma história

O ônibus cheio deixa melindrada a jovem garota de vestido amarelo e rosto tímido. Ela carrega consigo um mala de viagem média, talvez com roupa suficiente para uma semana. Está só, e talvez por isso deixe transparecer um certo ar de espanto. Há pessoas estranhas para ela naquele lugar, não está confortável, quer chegar logo em seu destino. No bolso está um bilhete, manuscrito pela mãe e que lhe desejava boa sorte. Um a um os passageiros foram descendo em seus respectivos pontos, e a cada descida a jovem garota de vestido amarelo sentia-se mais aliviada, como se a solidão fosse sua melhor companhia. Talvez fosse, por enquanto.

Uma mulher de óculos escuros espera a garota na porta de um cinema no centro da cidade, tomando um refrigerante e observando os cartazes dos filmes. Ela de costas pra rua, ouviu o som de um ônibus freando e virou-se rapidamente como se já soubesse que a garota estava nele. Descendo os degraus do coletivo, a garota sorriu para a mulher de óculos escuros e chegando até ela a abraçou com muito carinho. "Como vai doutora?" disse a mulher dos óculos escuros. "Estou bem Clarice, e você como está? É muito bom te ver de novo." respondeu a garota de vestido amarelo. Clarice convidou a doutora, que se chamava Gabriela, para entrar no cinema. Gabriela estranhou e perguntou se não podia descansar primeiro, já que havia feito uma longa viagem. Clarice disse que era importante e que não tomaria muito seu tempo. As duas entraram no cinema que estava vazio, sentaram em poltronas separadas por duas ou três fileiras, apoiaram seus pés nos encostos das cadeiras e começaram a gargalhar. Eram velhas amigas, desde sempre. Gabriela disse "Acho que ficou bom!". Clarice respondeu que sim, que adorava quando Gabriela interpretava a doutora, "Você fica séria, se eu não te conhecesse te comprava".

Eram atrizes e viam na vida uma imensidão de histórias. Pegar um ônibus com uma mala vazia e fingir que estavam com saudades uma da outra após um falso reencontro, fazia com que acreditassem realmente estar sentindo o que interpretavam e esse era o passatempo das duas. E a vida prova que Gabriela e Clarice estão certas, que tudo é um longuíssima metragem onde quem escolhe o gênero são os próprios protagonistas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Devaneios de três bêbados

Os diálogos abaixo foram confeccionados de forma improvisada e sequencial.
@diogodias como Cara 1
@renato_al como Cara 2
@_AndersonDias_ como Cara 3



Cara 1: América, ó América!
Cara 2: Mas que porra de América é essa meu filho?
Cara 3: Por que todo mundo quer ir para a América?
Cara 1: Ir? Quem falou em ir pra algum lugar? Não estamos bem aqui?
Cara 2: Mas você mesmo foi quem lembrou da América, aquela tão longe!
Cara 3: Quem disse que ela está tão longe? Falamos tanto dela e nem a conhecemos...
Cara 1: Eu a conheço muito bem. Vadia!
Cara 2: Então é isso! América é tudo aquilo que conhecemos de pernas abertas.
Cara 3: Ah, América!
Cara 1: Então você lembrou?
Cara 2: Pra mim, a América é tudo aquilo que nos dá vida, não importa como.
Cara 3: Tudo que dá vida o que? A América é a maior putaria!
Cara 1: Puta que pariu! Quanta promiscuidade pra só duas cabeças!
Cara 2: Promiscuidade e putaria andam juntas. E a vida vem logo depois.
Cara 3: Mas a vida é assim. Desde pequena é sofrida.
Cara 1: Meus amigos, que coisa, não? América nos trouxe pessimismo sem precedentes.
Cara 2: Não é pessimismo. A vida parte de uma putaria sem tamanho, amigo.
Cara 3: É a gente começa assim e vê que tudo acaba em putaria.
Cara 1: A putaria é o começo. No fim ou goza ou broxa.
Cara 2: É isso que eu queria dizer. Se goza é vida. Se broxa, nem putaria é.
Cara 3: Na América tem muito mais gente que curte a vida.
Cara 1: Psicodelia regada à álcool essa a nossa, não?
Cara 2: Há psicodelia de todo o jeito, a do álcool é assim. Sempre puxa pra putaria.
Cara 3: Afinal o que seria do álcool se não existisse a putaria, e da putaria se não existisse o álcool?
Cara 1: É como o ovo e a galinha.
Cara 2: É como aquela vontade irremediável de mijar sem ter a porra de um sanitário aqui por perto...
Cara 3: Há tantos lugares pra mijar na América. Argentina, por exemplo.
Cara 1: Tenho que ir, aceitam carona?
Cara 2: Peraí, agora que íamos falar das coisas sujas da América. Mijar é uma coisa suja..
Cara 3: Coisas sujas? Já falamos da Argentina.
Cara 1: A América é favela. Mas só num cantinho tem samba.
Cara 2: Vocês sempre lembram da última azeitona, mas tudo tem valor.
Cara 3: Sim. Tudo tem seu valor. O que seria de nós sem os americanos pra criar e os chineses pra copiar?
Cara 1: Seríamos o que somos de melhor. Criadores e copiões.
Cara 2: Mas com quem você aprenderia a criar, e com quem aprenderia a copiar?
Cara 3: Seria o jeito brasileiro de ser.
Cara 1: Ok. Vamos.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Salve a Cerveja!

Um salão nobre, damas e cavalheiros muito bem vestidos. Um verdadeiro desfile de smokings e vestidos de alta costura. Ao fundo, a trilha é tocada por um pianista de luvas brancas. Todos tomam cuidado ao falar. O garçom interrompe uma conversa de uma roda de senhores e diz: _Aceitam cerveja?

Essa cena é impensável, pelo menos de acordo com nossa bagagem cultural. Por um simples motivo. A cerveja está marginalizada. É! Isso mesmo. Vou repetir. A cerveja está marginalizada! E sabe quem leva a fama de boa bebida? Os destilados, sobretudo o uísque. No cinema, na televisão, nas rodas da alta sociedade. Ninguém coloca a cerveja no casting. Nas cenas da novela, quando alguém é recebido em casa, o anfitrião logo oferece um scotch e duas pedras de gelo. No cinema idem. Nos jantares de negócio e eventos sociais o uísque reina absoluto. Absolut? Também! Até a soviética vodca ganhou espaço no status de bebida conveniente. O engraçado, é que poucas pessoas sabem degustar um destilado. A maioria aceita por educação, toma um gole homeopático e ainda faz cara feia, como se isso fosse dizer: "Pô! Essa é da boa". Por que então não abrir o coração, ser sincero e dizer: "Não obrigado. Você tem cerveja?". Porque a cerveja está marginalizada.

Dizem que ela engorda, que é agente de inchaço abdominal, que prejudica a circulação. Que é tomada em grandes quantidades (e daí?), e faz arrotar. Coitada, ela não pode sofrer tamanho preconceito! Olha o lado bom. Tem baixo teor alcoólico, é feita de cereais, é uma bebida totalmente social, geradora de assunto. Não se vê inimigos tomando cerveja juntos. Ao contrário do uísque. Tá vendo? A cerveja é uma bebida sincera e que deixa seus apreciadores também com altas doses de sinceridade. Cerveja combina com churrascos, aniversários, confraternizações da firma, e até festas infantis, para que os pais não morram de tédio e de azia de só ingerir salgadinhos e refrigerantes. Vamos valorizar a cerveja!

Se você é ministro, embaixador, empresário, socialite que não tem o que fazer e organiza festas sem motivo específico, anfitrião ricasso, cineasta ou autor de novela, peço-lhes rever seus conceitos. Não é com uma bela garrafa de Chivas que se ganha a simpatia de alguém. É com aquela garrafa marrom com rótulo caindo e com a transcrição CERVEJA no vidro.

Tomar bem.
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