terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ela Que Não Sabe (Quer) Realizar

Noites e noites deitando sobre o travesseiro imagens que nunca passam de meras figurações do que poderia ser realidade. Se ainda não o são é por culpa da covardia. Desculpe ser tão rude, mas me fogem eufemismos para essa desqualificação.

Sobre a mesa uns pequenos pedaços de papel colorido, rabiscados com lembretes de tarefas que jamais serão  cumpridas. Só não é tortura porque de alguma forma os papéis a confortam de um jeito mórbido e sombrio. É como uma deixa para qualquer desculpa mal inventada se encaixar perfeitamente na sua consciência covarde.

A cada mês passado aumenta a sensação de que o que deveria ser feito fica gradativa e definitivamente para trás. Acho que ela espera por isso. Espera que a sua mente se esqueça de anotar novas tarefas nos papéis coloridos. Porém com todos os dias nasce um novo desejo. Acumulam-se em montanhas coloridas de celulose, quase tão grandes quanto o medo de realizá-los.

Encontrei-a outro dia passeando. Tinha agarrada ao colo um livro grosso e aparentemente pesado. Assim que a vi acenei e tive como retribuição um lindo sorriso. Nos aproximamos e conversamos. Perguntei o que era o pequeno papel rosa colado ao livro. Respondeu-me serena que estava indo viajar.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Clarisse


Não conheço Clarice. 
Nunca a vi passar.
Algum mistério que a envolve me desperta
Curiosidade ao reverso.
Vontade de conhecê-la fisicamente não tenho.
Gostaria mesmo era de desvendá-la.
O que queria dizer Clarice?
É o que dizem por aí.
Seria mesmo triste assim?
Acreditando e desacreditando no amor.
Clarisse.
Dizem que se parece com uma flor.
Só que desabrocha no inverno.
Para reinar sozinha
Infinita
Na imaginação de todo beija-flor.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Quitéria

Quitéria pare de reclamar! Mas que coisa Quitéria! Já lhe disse que se a comida estiver sem sal, bote. O dia está de gelar as canelas? Agasalhe teus cambitos. Nunca vi quem reclamasse mais que ela. Coitada da Quitéria. Ficava sentada, ouvindo a própria respiração na varanda que dava de frente pra Rua do Cisne. Passava o Zé Ferreiro, o Maltinho e o Milton Jacarandá. Quitéria mandava uma "olá". Mas ninguém se dava ao esforço de retribuir o cumprimento. Como era feia e desajustada a bichinha. De dar dó. Era compreensível que a mulher não calasse a matraca, reclamando de Buda a Maomé.

Mas um dia, que nem belo era, apareceu na vida de Quitéria um moço dos mais corajosos. Galenteava como um princípe aquele ser de rosto castigado pela natureza. Os cromossomos da beleza a abandonaram. Mas os da sorte foram solidários. Quitéria fazia-se de difícil, mas sabia que era aquela a única saída pra se desvirginar no amor. E o moço, além de corajoso, era insistente. Perseverou até o dia que comprou uma flor. Quitéria enfim acreditou, que o seu destino enfim a ajudou. Quando ela finalmente disse sim, o moço teve os olhos abertos, o encanto disperso e um grito soltou: Meu Santo Deus do Céu!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Que Seja

Que chova
Que molhe
Que fale
Que chore
Que cale

Que esqueça
Que queira
Que peça
Que ouse
Que seja!

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Acordem barbados!


Sei que não tenho nada a ver com isso - e nem venha tentar me convencer de que tenho. Mas é que fiquei muito encabulado com essa história toda. Analisemos o cenário e seus personagens. O local sacrossanto do livre pensamento é ferido pela presença de autoridades odiadas pelo futuro da nação, mas que dias antes tiveram seus serviços solicitados de joelhos pelo senhor reitor, acatando reivindicação dos frequentadores do ambiente. Frequentadores estes que tinham razão em querer não levar uma bala na cabeça ou ser uma vítima do ainda não inventado maníaco da Cidade Universitária. A coisa estava tão tensa que a rapaziada resolveu dar uma relaxada. Coisa pouca. Opa! Peraí! Cadê a minha liberdade agora? Apagaram com o coturno.

O futuro da nação não gostou nada disso, e viu nesse factoide a perfeita oportunidade de seguir as tendências mundiais. Como assim, somos jovens em um país desigual e não lutamos por nada?! Que absurdo, que injúria! Brigaremos então pelos alunos repreendidos pelos malévolos homens da lei. Falando em lei, gostaria de lembrar que que ela existe. Longe do pensamento fundamentalista, acho saudável quebrar regras e até leis de vez em quando. Eu mesmo o faço. Claro que não contarei quando e como. Sabe por quê? Simples. Por causa das consequências. Faço errado e sei disso. Não tento convencer o mundo do contrário.

Moralismos à parte, ética e bom senso à parte, a bula do simancol à parte, o que está mesmo faltando ao futuro da nação é uma boa dose de realidade. Matéria que deveria ser incluída na Fuvest do ano que surge. Quem sabe assim as caras metidas em Foucault e Marx olhem para o mundo aqui fora e possam finalmente exercer a intelectualidade com o mínimo de discernimento e um pouco menos de paixonite aguda pelo suposto poder de poder qualquer coisa. Quem mais sai perdendo com essa zona toda é o meu, o seu e o futuro deles; o futuro da porra da nação.


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Melhor Assim

Viver é simples e involuntário. Respirar é a prova disso. Dominar as ações é praticamente impossível, teoricamente utópico. Os desejos corroem as entranhas até que sejam saciados, expurgados do corpo e da alma como o diabo na exorcismação. E isso tira toda e qualquer possibilidade de domínio sobre a vida e seus elementos.

Milênios nos desafiam e riem de nós, soltam gargalhadas titânicas. Tudo porque, ingênuos, não temos ínfima noção do que estamos fazendo neste mundo. É desaconselhável refletir em demasia sobre a questão. A história prova que muitos tentaram, mas quedaram diante da loucura. Se fosse o destino de tal mistério ser compreendido, já o teríamos feito. É disso que debocham os milênios.

Tentativas mais coerentes e saudáveis são as que procuram decodificar pequeninos problemas. Mínimos diante da grandeza da humanidade. Problemas de amor, de necessidade, de egoísmo, de ódio, de amor. Pois cada um de nós tem situações suficientes para gastar seus dias. Prefiro não descobrir a que vim, para não saber que fracassei.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ode à Amizade

Selo nossa amizade com lágrimas no teu ombro.
Uma maneira infantil, mas sincera ao extremo.
Finalmente me conheceste e eu a ti.
Confio a minha devoção à memoria da sua compreensão.

Entre nós já não há esconderijos, já que de verdade
Me virei ao avesso de forma irrepreensível.
Sou muito além do que digo ser
E posso menos do que julgo poder.

Posso, pelo menos, jurar que não há preço
Argumento ou contexto
Que faça me esquecer do teu gesto.
Está guardado para sempre teu afago
Só o que tenho a dizer é:
Muito obrigado.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

De Levante


Parece uma grande esteira automática rolante cercada de neblina e comigo a tiracolo. Acelerar o passo me desequilibra. Contê-lo não funciona. Vivo ao sabor da esteira. Ela me leva, eu não reclamo. Assim vamos, juntos. Eu e a esteira. Nunca perguntei aonde ela dá. Nem sei se minha companheira tem um final. Confio nela, mas não deveria. Afinal, para o que ela me leva?

Sem poder ver alguns metros a frente, achei de bom gosto abandonar a razão. Pensar é só um passatempo. Sentir é uma condenação. Ela, a esteira, decidiu assim. Ela me leva, eu não questiono. O que mais poderia ser assim tão intenso? Se eu é que levasse a esteira? Impossível. Pouco atraente inclusive. Cairia no erro mais primário: confiar em minhas convicções.

Estar convicto é deleite passageiro. Como tudo o que é bom e ruim. Permanente mesmo é a esteira. Que nem é boa e nem ruim. Ela é o que quero que ela seja. Até porque nunca pensei em que raios ela é de verdade.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Se Sou Orgulhoso?

Se sou orgulhoso?
É claro que não!
Onde já se viu?
Dizer que estou errado.
Meu orgulho guardo no bolso.
Pra ficar mais fácil de usar.
Até que sou um bom moço.
Só não ouse me contrariar.
Sei tudo do nada.
Sei nada de tudo.
Ou seria ao contrário?
Contrário ao meu orgulho.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Afã

Fanatismo é uma palavra assustadora. Sinto algo parecido com claustrofobia - não sei dizer exatamente o que é - quando ouço ou leio esse verbete. Fico ainda mais aterrorizado com o apócope "fã". Ô coisinha minúscula e destruidora!

Quando alguém me diz que é fã de alguém, me preparo para uma tempestade passional de elogios e frases carinhosas. Nada de errado nisso. A não ser pelo fato de que o agraciado pelos afagos verbais não tem a mínima noção sequer de quais são as iniciais do seu admirador. As partes nunca se encontraram, e possivelmente nunca se encontrarão. Mas por alguns estímulos de ordem midiática, surge uma paixão unilateral. E o fã, coitado, prende-se na perfeição do ídolo. Quer ser igual. "...ou parecido. Já serve...".

O problema é que ídolos também são fãs. Assim o efeito dominó é desencadeado, encadeando cada vez mais as pessoas. Um é fã de outro que é ídolo de um. Mas sem drama eu compreendo tudo. Sejamos fãs de qualquer um, menos de nós mesmos. Porque de autogênios o mundo já está farto. Como dizia meu ídolo Fernando Pessoa: "...E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não podem haver tantos", não é verdade?


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Logo Seca

Compreensão é dádiva escasseada nesse nosso mundo.
Não por falta de tentativas, tão pouco por excesso delas.
É que muito do que há e do que é
Foi feito para não compreender.
Nem desvendar, nem decifrar, nem entender.
Nem matutar, nem ganhar, nem perder.
Há coisa que há por haver.
Que é por ser.

Pede o perdão que já ali gastará em outro erro.
Percorre com passos medrosos o caminho que não conhece.
Mas já lá adiante sente como chão amigo.

Adianta afagar-te agora? Nessa maldita hora. Maldita por ser?
Vale lembrar-te que agora choras, mas que já já volta tua alegria de viver?
Nem ouso rabiscar resposta para o inquestionável mistério.
Procuro somente sentar-me ao seu lado à varanda
Balançando pensamentos
E sentir o vento
Secador de rostos úmidos.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Eu e Meus Poderes

Céus, como desejei ter poderes mágicos. Caçoar dos alquimistas por nunca conseguirem o que eu conseguiria. Transformar, teletransportar, desaparecer. Era tudo o que eu queria. Contudo, entendo as razões de não nos serem dignas tais facetas. Imagine só o que não fariam os cleptomaníacos, os tarados e os depressivos? Talvez não existisse mais a posse das coisas, nem castidade e muito menos depressivos. Mesmo eu não sei confiar-lhes como lidaria com meus instintos anti-éticos e imorais. Pense bem. Que possibilidades!

Supondo que houvesse uma regulamentação para o uso dos poderes, eu já abdicaria de tê-los. Fujo de regras. Além do quê, o bacana de se ter poderes é abusar. Exibir-se para milhares de olhos crédulos e ouvir ruídos onomatopéicos ao ver-me transformar, de repente, água em cerveja. Seria lindo, épico. E uma baita festa. Transformaria as figuras indesejadas em artigos decorativos, estátuas de cera, balas de canhão do século passado. Ou simplesmente me teletransportaria para outra festa, em algum lugar quente abaixo da Linha do Equador.  

Por essas e outras é que nós, os homens, não temos poderes. Temos deveres.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

De Domingo a Domingo

Encosta-te em mim, aqui juntinho
Sem medo, que eu não ataco sem avisar
Seu tecido no meu tecido
Faz vincos de você sem parar

Deita-te sobre mim
Toca seu nariz no meu
Corre tua mão em meus braços
Já debaixo dos panos

Levanta-te devagar sem pressa do mundo acabar
Que nada há lá fora que valha
O tempo que tenho para te gastar

Chama-me à cozinha gritando para fazer-lhe companhia
E a noite baixinho ao pé do meu ouvido
Que vou às ordens submisso, de domingo a domingo




terça-feira, 9 de agosto de 2011

Nada Faz Sentido

Entenda como quiser a aquilo que não faz sentido. Procurar sentido demora e desgasta. E nem ao menos o consolo de se poder achá-lo se tem. É comum que as coisas saiam de controle, que elas saltem serelepes para longe do alcance dos braços, para onde a voz não chega, livres de qualquer repreensão. Conformei-me com isso. E não o fiz agora. Há tempos entendi que sou mero instrumento. De cordas, de percussão, de sopro, de tudo. E o que sai é música que não preserva estilo. Da melancolia do tango à alegria desenfreada de um samba de carnaval. Depende se estou de cordas ou de sopro ou de percussão. E quem me toca? Sei que vibro e ressoo o que a pauta ao meu redor conduz. Nas mais diferentes claves, nas mais ricas melodias. Vivo as pausas. Vivo as notas. Semibreves. Não quero fazer sentido. Desejo apenas ecoar suavemente em seus ouvidos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O que não sabem o que é

A barriga arde a quentura
Que sobe para as maçãs do rosto
Enchem as veias de plasma
Entorta estradas
Confunde morros
De prédios em casas
De tempos em tempos
Jogam-se sem tomar conhecimento
Do caráter fatal do mergulho,
Do momento.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Garçom

Garçom, por favor. Pode me trazer um desse aqui. É. Isso, o quatrocentos e sessenta e dois. No pão francês. Não me leve a mal. É que aquele outro pão não combina muito. Acho que vou tomar uma coca. Sem limão. Tenho gastrite. Eu fico louco com isso, mas o que eu posso fazer? A gente dá defeito também, né? Pensando bem, acho que não quero mais a coca. Humm. Esse suco de cupuaçu é bom? Nunca experimentei. Na verdade não fujo muito das convenções. Mas eu sempre quis experimentar esse aí de cupuaçu. É melhor do que o de açaí? É? Interessante. Estou curioso, mas tenho medo de errar. Se eu não gostar, é pecado jogar tudo fora depois, concorda? Ah, vai o de limão mesmo. O problema é que eu tenho gastrite. É melhor evitar os cítricos. Beterraba com laranja tem? É mesmo! Laranja também é cítrico. Que derrapada a minha! Me traz um de morango então. Traz o barbecue também. Não tem? Que chato hein, fala pro teu chefe adquirir uns barbecue aí meu filho. Senão espanta a clientela. Que cara é essa? A minha mãe o quê? Entendi, pensei que tivesse ouvido outra coisa. 

terça-feira, 26 de julho de 2011

Língua

Uma nova língua
Que tenha outras palavras, menos quadradas
Menos teimosas, de fonética adocicada
Que encaixe em voz rouca
A sua voz rouca e cantada
Chamando-me pelo apelido
Que acabara de inventar.

Essa nova língua teria o seu nome
Falada apenas por deuses e por mim
Pra que ninguém nesse mundo pudesse entender
O que eu te disse enfim
Depois que novas palavras,
novas figuras eu pudesse aprender
Para poder traduzir
O que eu queria soltar,
mas insistia em prender.

É a nossa língua, meu bem
Que estou a falar com os olhos
Que não tem dicionário
Nem mestre, acento ou apóstrofo
São as nossas línguas, meu bem
Que juntas em suas carícias
Descartam qualquer desdém.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Dia de Todo Mundo

Outro dia aí me disseram que era dia do amigo. Acho que é o único dia de alguma coisa em que todos somos os homenageados. Se o indivíduo não tem capacidade para alimentar uma amizade com outro ser humano, recorre à fauna. Alguns dizem até que bichanos e vira-latas cumprem melhor a função do que os homens - do que as mulheres não há dúvida.

Como senti-me congratulado por acreditar ser um bom amigo resolvi me presentear. Comprei um presente que eu odiaria em qualquer circunstância, mandei embrulhar com qualquer papel e escrevi umas palavras avulsas num cartão horrendo estampado com um cogumelo com cabeça de morango. A intenção era simular a aquisição de uma pequena lembrança para um amigo querido. Percebi então que eu era um grandessíssimo  filho da puta.

Descobri também como são amigos meus amigos. Porque entendem que a filhadaputagem é um fator inerente à amizade. A amizade permite errar (sem excessos, pessoal), o amor não. Portanto vai aqui um pedido de desculpas por agir de maneira tão inconsequente com vocês, amigos.

Mas também, quer saber? Vocês são iguaizinhos a mim. Então, foda-se, vamos tomar uma gelada.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Insônia

De quanto café preciso?
Para me manter acordado
Montando as frases ideais
De meus pensamentos avoados

Me beije, me cubra
Com seus lábios grossos
De pele rubra
Faça meus sonhos destroços

Amanhã acordo cedo, acordo só
Cheirando o café que me manteve
Como ele só o pó

Mesmo derrotado pelo sono
Acredito no engano
Que a gente ainda é nó

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Difícil Jornada Do Acéfalo Por Opção

É odioso começar qualquer texto com um ditado popular. Mas perdoem-me, é necessário. Portanto aí vai. "O pior cego é o que não quer ver". Bonito isso. Profundamente tocante e dolorosamente verídico. Me faz pensar em tantas coisas que nem consigo organizá-las a fim de deitá-las em letras aqui. Mas uma dessas coisas se destaca no meio das minhas divagações. Uma paródia da anedota citada. Algo tão original quanto "O pior cego é o que não quer pensar", ou então, "O pior ignorante é o que não quer saber". Enfim decidi que não tentaria perpetuar nenhuma dessas opções. Mas o olho do furacão está exatamente na essência dessas tentativas frustadas de emplacar um novo ditado. Engolindo ferozmente, sem dó, qualquer esperança que ainda reste no ser humano e em suas atitudes - quase todas - questionáveis. E como ser humano que sou (até segunda ordem) tomei a liberdade de questionar meus companheiros de raça. Eu tu nós vós eles. Todos inclusos. Não pense que você é especial, muita gente acha isso, o que o torna comum. Questiono a proeza de abrir mão do raciocínio. Somos bípedes e temos um polegar opositor (oh!), considerados a raça racional. Porém conseguimos optar por não pensar, quando não queremos. Dá preguiça às vezes, eu sei. Ninguém pensa ao responder se quer ou não um pedaço de chocolate, ou quando se está excitado. O problema é não-pensar ao ponto de perder a prática.


Jéurison levanta e faz a barba com o creme que é um Fenômeno. Liga a TV e acredita nela. Evita café porque disseram que faz mal à saúde. Pega a linha 3459 e enfrenta três horas e meia de viagem, quando podia tomar o trem e chegar ao destino gastando metade do tempo. Mas não faz isso porque na época dele o trem era frequentado por arruaceiros e maconheiros. Tropeça num buraco e é atingido por um bueiro voador, xinga o prefeito - só falta o prefeito ouvir, mas isso é um mero detalhe. Ganha mal como jardineiro, até queria ser outra coisa, mas sua mãe diz que é um trabalho honesto. Está certa a velha, mas que ele ganha mal, ah ganha. Planta girassóis no inverno porque o patrão manda, dali a dias quem gira é a lua. Não perguntei a religião, mas é fiel. A vida é dura para Jéurison. Ele tem preguiça de pensar.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Entrelinhas

As entrelinhas são discretas, até demais. Guardam segredos que ouvem direto dos lábios do coração. Ele, o coração, é tímido e só confia nas próprias entrelinhas. E sofre com a discrição alheia porque não consegue sozinho entender o que tentam lhe dizer. Fica acanhado, apertado, acelerado amiúde. Tenta pedir conselho à razão. Coloca empecilhos nas teorias que gostaria muito de acreditar, que procedessem. Tudo por culpa da impossibilidade de decifrar o que as entrelinhas dela escondem sem querer esconder. Um gesto, um desvio de olhar. A fuga dos olhos para qualquer lugar denuncia que há algo que o coração dela sussurrou, baixinho e quente dizendo “ei, é segredo”. Quando na verdade quer mais é que o mundo saiba, que ele saiba. Pra que os corações – dele e dela - possam bater daquele jeito que só se bate quando não há mais entrelinhas trabalhando, quando os olhos assumem o posto e entregam na maior dedoduragem o que as entrelinhas não tinham coragem de contar. Poderia ser mais fácil, mas aí, qual seria a graça? 

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Um Pouco Mais

Fala mais
um pouco mais, só
Gosto da sua voz
É doce e inocente
Ao contrário de você
Que deixa à margem qualquer dó
Ao esconder-se do sol
do meu olhar
que insiste em te ver

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Meus Aforismos Parte I

-Eu acredito no amor. Mas ele não acredita em mim.

-Penso grande, muito grande, sempre. A queda é maior, mas pelo menos dá pra cair de paraquedas.

-Escrevo muito do que gostaria de falar. Penso muito do que gostaria de escrever. Falo pouco do que deveria dizer.

-Humor é uma arte. E a arte não tem limites.

-Expectativas não servem pra nada.

-Romântico, da segunda fase ainda.

-Poesia é filosofia cantada.

-Cretino é uma palavra tão pouco usada. Gosto dela.

-Esses extremistas são um porre.

-Organizar as ideias pra quê? Gosto tanto delas bagunçadas.

-Crise não é uma palavra unilateral.

-Se todo mundo praticasse o moralismo que prega, o mundo seria um 
santuário.

-Ser muito exigente e ter mal gosto é uma combinação fatal.

-É fácil gozar a vitória. Difícil é engolir a derrota.

-Realidade aumentada é ficção.

-Há certas coisas que não consigo enxergar a genialidade atribuída a elas. 
Supervalorização da obra ou ignorância minha?

-Se o dito "Você vale o que você tem" fosse verdade, eu seria o maior canalha da paróquia.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Seja Ideal

Você está terminantemente proibido de sentir qualquer tipo de tristeza, angústia ou ausência de humor. Você é obrigado a sorrir para tudo e todos, todos os dias. É inconcebível que você deixe transparecer qualquer fraqueza. Errar é fatal. Tenha os melhores bens. E o melhores mals também. Tenha tudo. Saia por cima em qualquer situação, mesmo que você esteja errado. Quem liga para a coesão das coisas? O que importa é ser genial. Seja o mais magro, o mais belo. Só não caia na estupidez de pensar, isso te denigre, já que uma vez pensador, não vai conseguir segurar em sua boca certas coisas. Coisas essas que são verdades. E verdades não são para os perfeitos. Perfeição? Sim ela existe. Existe porque as pessoas mentem. Minta! Assim você só diz o que todos querem ouvir. Massageie o ego – próprio e o alheio.  Dispa-se de princípios, estão fora de moda. Seja imediatista e superficial. Aprofundar-se muito é sinônimo de compromisso, não é isso que você quer, não é verdade? Compre muito. Não valorize os sentimentos. Diga eu te amo a qualquer um. Isso já não significa nada mesmo. Gaste água, queime qualquer coisa. Brinque com as almas, chame-as para dançar. Faça o que quiser e faça agora. Não é necessário preocupar-se com as conseqüências. Afinal, você será esquecido de qualquer maneira.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Eu Xingaria o Papa

Eu xingaria o papa. Puta cara folgado! Sentado o dia inteiro em alguma cadeira com arabescos coloniais em madeira e almofada de veludo fingindo ser um mensageiro do Divino. Deus deve se envergonhar do papa e de todos que sonham em beijar-lhe a mão enrugada. Observando por entre as nuvens com a sua visão de altíssima definição, uma infinidade de gente ao redor de um senhor que depois de passar uns bons dias enclausurado com outros senhores - e alguns meninos (infame!) - foi eleito por uma fumaça, a Sua Santidade. Olha o absurdo! Se o tal sujeito fosse mesmo um indivíduo sacrossanto teria a honra de ser eleito pelo chefe e não pelos pares.

Mas voltando ao assunto, acho que o “vai tomar no cú” mais encorpado e volumoso que minha boca poderia proferir seria para o papa. Não que eu tenha alguma aversão religiosa. Não! Nada disso. Não sofro de teofobia – aliás, acho essa mania de colocar o sufixo fobia em qualquer frescura é um sintoma de hipocondria coletiva. O problema é com o velho e todos aqueles anciões que passaram a vida inteira internados e acham que podem dizer ao mundo o que ele deve fazer. Mas o papa é, em especial, irritante. Eu até gostava do outro, era um velhinho simpático. Mas esse, não dá. Talvez eu tenha sido influenciado pelo passado nazi dele, mas também ele não faz nada pra mudar isso!

Quer saber? É isso. O papa me irrita e eu gritaria um grande foda-se pra ele. Peço desculpas aos seus fãs mas eu tenho esse direito. O direito de desvergonhar Deus.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ela é uma Caixa

Ela é uma caixa
Com a tampa milímetro aberta
Que exala calma um perfume só dela
Doce, voluptuoso, aquele ao pé da orelha.
Deturpa-me os sentidos
Me leva para dentro
Faz-me boneco
Vítima de lampejos
Quebra minha rotina, brinca de me arruinar
Finjo que aceito
Para efeito de continuar.
Mas ela é uma caixa
De milímetro sempre a cerrar
Esconde desejos
Não se deixa bisbilhotar
Tremendo fastio
Porém incapaz de me quedar
São o teu cheiro e minha curiosidade
Para efeito de continuar.
E ela é uma caixa
E espaço tem
Falta saber o que guarda lá dentro
Ainda não guarda ninguém
De surpresa, de Pandora
De pele macia ou de papel
Ela é uma caixa que embala
Com carinho
O inferno ou o céu.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Escapou

Tudo fica devidamente sinistro quando alguém diz o que não devia. A reação é espontânea e hilária, claro, quando não trágica. É difícil se conter em certas ocasiões, por isso entendo completamente quando aquela senhora besteira escapa de entre os lábios, chicoteada pela língua afiada como um bisturi. Se parar pra pensar, é um momento de raro desconcerto, onde todos os presentes se encontram no mesmo sentimento, na mesma sensação e, por que não, no mesmo pensamento. Entreolhares nada discretos, limpadas de garganta e posturas sendo corrigidas nas cadeiras denunciam que alguém, ali, disse uma grande merda. Faz parte. Dali a uns minutos tudo volta ao normal e a memória se encarrega de esquecer ou não. Das situações deste tipo de que lembro dou risada, das que não, talvez tenha sido melhor esquecê-las mesmo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Fui Apresentado

Fui apresentado a uma coisa
Sem nexo
Sem medo
Sem tato
Fui escorraçado, chutado, cuspido
Pra fora
Pra dentro
Pra sempre
Ainda assim, não prego um maldizer sequer
contra isso que friamente me quer
no chão
para estender terna sua mão
quando bem entender

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Pensamentos de Calçada

Pudesse eu fazer o que bem minha alma quisesse
faria coisas de se duvidar
Queria correr constante, incansável
por toda a terra, por todo o mar

Queria me esgotar pra ela
até o último emiéle
roubar toda luz
que coubesse do lado de fora de uma janela

Faria absurdos, insultos
milagres, espalharia murmúrios
de que eu estava errado
só pra ter a verdade ao meu lado

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Quando Eu Acordei

Há noites que por muito pouco não me recuso a dormir para não abandonar meus pensamentos ao descuido do descanso. Apesar de saber que é necessário ao corpo que a mente descanse, acho o sono excessivo e, às vezes, desnecessário. Milhares de palavras, pessoas, situações reais e ficcionais, hipóteses, diálogos, fantasias, idéias, sentimentos, tudo, navega entre meus mortais neurônios com tanta avidez e velocidade que chego a temer uma literal explosão cerebral, mesmo que ainda – segundo minha memória – não se tenha registrado nenhum caso parecido.

Sou ansioso por natureza. Em fase de reeducação comportamental. Um processo lento e doloroso. Não acredita? Diga a um ansioso que você tem uma novidade para ele, mas que só pode ser revelada daqui a um mês. Seus sintomas serão comparáveis aos da abstemia. Unhas serão ruídas, cabelos arrancados e palpitações surgirão. Conta-se até casos em que o desespero é tamanho que falta ar ao ansioso. Por isso arrisco horas de sono em favor dos pensamentos. Quero a materialização rápida, instantânea se possível. Uma ideia não pode ser um ideia por muito tempo. Ela tem que surgir, linda e maravilhosa diante dos meus olhos. Claro que vivo numa constante onda de decepção, já que nem todas as ideias podem ser gestadas. É a vida. Uma substitui a outra e eu volto a pensar. É um ciclo infinito e abstrato.

De uns tempos para cá, voltei a sonhar. E fiquei encantado com o que a minha mente é capaz de produzir inconscientemente. Pessoas, palavras, diálogos, fantasias, sentimentos misturados sem o meu pudor, os meus preconceitos e principalmente sem a minha razão. Tudo por não estar acordado. Os sonhos me conquistaram, mesmo não sendo sempre maravilhosos como eu gostaria. Mas tudo bem. A vida também não é do jeito que eu gostaria. Por que os sonhos haveriam de ser? Voltando a pensar descobri que há mais realidade nos sonhos que sonhos na vida. Daí por diante resolvi inverter esse quadro. Acho que estou conseguindo.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Frases Comentadas Parte 8

"Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado".
                                              Por uma vida melhor -  Livro distribuído a 4.236 escolas do país pelo MEC.




Fogo cruzado entre a opinião pública e os poucos defensores do tal livro distribuído pela rede de ensino deste letrado país. Há certo fundamento quando a defesa alega que é preciso respeitar os termos coloquiais de nossa língua. Concordo, em partes. Li e logo depois sorri, como não haveria de ser de outra maneira, uma declaração que dizia algo como "não se pode julgar uma pessoa pelos seus erros e acertos linguísticos". Me perguntei: Como não!? 


Falar e escrever errado não pode ser considerado normal. A comunicação, seja qual for sua forma, é feita de clareza. Pintou ruído? Fudeu. Gramática, ortografia; regras precisam ser aprendidas para só depois serem quebradas com a propriedade de quem raciocina o suficiente para questionar. Agora me digam, se é possível um garoto em formação distinguir entre o certo, o errado e o aceitável numa sentença gravada num livro didático. 


No fundo entendi o que os autores pretendiam. "Debater o uso da variação linguística para ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado". Ok, abordagem interessante. Mas se esqueceram de puxar da memória onde moram e como é precário o nosso ensino. Crianças na quinta série sequer interpretam um texto simples sem dificuldades. Para que esse debate pudesse acontecer, teríamos que estar no mínimo em 2030. 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ah, as minhas mãos frias.

Eu sei quando está frio. Sei, porque minhas mãos me contam. Meus dedos sentem antes de todo mundo que a temperatura está caindo. E como uma satisfação pueril, eu me orgulho disso. De ter mãos alertas às reviravoltas climáticas. Por que? A desculpa é tão inocente quanto eu sou. Porque acredito pio no ditado que dá aos seres de mãos frias um pulsante e escarlate coração quente. Podem ficar com esse sorriso de canto de boca, e dizer "nossa!". Eu não ligo. É um motivo bom o bastante para mim, um motivo lírico e que faz mais sentido do que qualquer explicação científica sobre a relação entre metereologia e epiderme. Prefiro assim. Inventar meu próprio universo, cercado de simbologia e significados, onde a razão é parte - e só uma parte - da minha íntima e única realidade. Gostaria muito de convidá-los a conhecer esse meu mundo. Mas ele está longe demais, dentro de mim.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Bobagem!

Bobagem! Bobagem! Bobagem! Tudo o que todo mundo lê, ouve ou vê por aí, agora é bobagem. A chance de alguma coisa fazer sentido é mínima frente à resistência em considerar que a opinião do outro pode ser, sim, válida. Concordo com vocês chorões que a vida está difícil e que não se pode confiar em qualquer ladainha solta aos quatro ventos por aí. Mas espere. Daí eleger dois ou três gurus e seguir de maneira religiosamente fiel as suas sábias palavras já é demais. É contraditório. Com esse mar de gente querendo se expressar, vocês recorrem ao velho testamento, digo, pensamento? 

É preciso destreza e inteligência para aproveitar o mundo. Porque hoje, on ou off, ele é um só. E as opiniões, escritas ou da boca, também são as mesmas. E por onde pegar os falsos pensadores? Como desmascarar os falsos profetas do mundo moderno? Dizê-lo-ei. Pelo argumento meus amigos! Pelo argumento! Quem falou, por onde, como. Nada disso importa. O que diferencia uma informação útil de uma bogagem é o argumento.

O que é pra você esse texto? Bobagem?
Que seja.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Queria um endereço


De tudo o que eu poderia desejar uma só coisa me atormenta o querer: um endereço. Não para morar, construir ou trabalhar. Não para visitar, ostentar. Queria mesmo era um endereço para enviar-lhe um pequeno adereço contido dentro de um sinal de carinho. Um adereço que contém espinho, mas que tem um vermelho, um rosa, um branco que só faz compensar a pua que a natureza lhe colocou no caule. Só queria um nome de conde, de presidente ou de herói. Só queria um número, par ou ímpar, não importa o lado. Só queria um endereço. Um endereço para mandar flores.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Um coração nunca é
um coração se só está
é metade, uma parte, só.
Um músculo apesar de robusto
Só.

Um coração sempre é
um lar se aberto está
para um novo ou antigo amor
mesmo com tantos os sustos
não se fechar, para não ficar
Só.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

My Generation Mulamba

A minha geração está meio estranha. Não sei dizer ao certo o que me incomoda nos meus "iguais". Algumas coisas saltam aos olhos, que se atentos, observam um festival de contradições. São coisas da idade, mas convenhamos, há certo exagero. É impressionante a quantidade de gênios da minha geração. Como todos, incompreendidos, desabafam seu descontentamento com a sociedade, com o coleguinha de trabalho que ele tanto odeia e com  todos os ignorantes imprestáveis que insistem em migrar do Orkut para o Facebook.

Ó Santo Zuckerberg, salvai-nos da mediocridade das almas que não sabem usar as redes sociais! Uma questão de assaz importância para a humanidade. Enquanto alguns covardes lutam suas lutas desplugados, nós, os reais revolucionários estaremos sempre a postos caso um TT que não mereça destaque entre na gabaritada lista de tendências. Temos que lutar contra a utilização vazia e despretenciosa dos nossos tão amados mecanismos de comunicação da internet.

Tanta autoridade no julgamento do nível intelectual do outro se deve ao já citado estado de genialidade da minha geração. Os intelectuais estão espalhados pelas timelines de todo o mundo, discorrendo sobre assuntos que emergem como bolhas de um caldeirão chamado Cultura Pop. Almas sem salvação vagam dividindo a opinião pública, mas não os gênios, os gênios são diferentes. Justin Bieber, BBB e seus seguidores são fulminados sem piedade, palavras de maldição são jogadas contra aqueles que cospem na cara de Andy Wharol e Tarantino. "Hereges! Hereges!" chingam os gênios quase sem fôlego de tanta velocidade empregada ao teclar.

Minha geração. Que orgulho de #fazerparte!

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A Primeira Mentira

Logo que saiu daquele úmido e gelatinoso lar desatou a chorar. Não antes de levar na bunda um belo tapa mesmo sem saber o que era. Doeu. Aprendeu a primeira lição. Uns homens, que num primeiro momento pareciam todos iguais o reviravam todo e passavam uma coisa macia e áspera ao mesmo tempo pelo seu corpo. Levaram-no até uma mulher que chorava às bicas, então pensou "Devem ter feito aquilo que fizeram comigo com ela também". Ouviu uma voz dizendo "Olha a mamãe". Já tinha escutado algo parecido durante alguns meses antes de se mudar. A "mamãe" disse "Que lindo é o meu bebê!" Ouviu sua primeira mentira. Era primeiro de abril.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Que não existe.


Sonhou com ela. Ela que nem sequer existe. Um rosto, cabelos castanhos e olhos também. “Que estranho” pensava. Surpreendeu-se com o fato de sonhar com alguém que nunca viu. Se viu, a imagem bela e esguia deve ter-se ido direto, sem pausas para um lugarzinho na mente reservado para lindos sonhos. Ficou imaginando nomes. Traçou hipóteses com todo o alfabeto. Torceu para que não começasse com x ou com z ou com y ou com w. Talvez w fosse digerível, mas preferia que não. Ela não estava sozinha na projeção noturna que o deliciava enquanto dormia. Estavam todos lá, numa espécie de festividade corriqueira. Um churrasco ou coisa parecida. Como se estivesse acordado, vendo tudo de fora, torcia para o sonho não acabar. Para que aquilo que sentia, naquela hora, de olhos bem fechados e corpo entorpecido, não terminasse nunca. Mas o galo cantou em algum lugar muito distante para ser ouvido. Raios cinzentos de sol iluminaram o quarto e incomodaram as retinas já desprotegidas pela transparência das pálpebras. Acordou. Feliz por ter sonhado. Ainda mais por ter lembrado dela. Que não existe. Ou se existe não conhece. Mas fez de uma noite qualquer um dia seguinte especial.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O Infeliz Desejo

O desejo é irônico e sagaz. Aparece sabendo que é a hora mais péssima possível de dar a face. Não quer saber das consequências, dos obstáculos. Aparece. Assim como desaparece após o ritual que o conclui e sacia. De carne ou de gana. É ele, plácido e cínico. Com seus objetivos brandos para si, mas luciféricos para aquele que o é atormentado. Resta a angústia de conviver desejando. Coisas, pessoas e sentimentos. Desejo é por vezes confundido com necessidade. Transtorno grave. Pois sabe-se que são muito diferentes uma da outra. O homem nasceu nu, mas morre empacotado dentro de trajes que nunca usou a vida inteira. Desejo? Ou necessidade? No fim acaba-se preso, trancafiado dentro de medidas, valores. Desejando ser livre, já sendo. Desejando ser feliz, já sendo. Necessitando desejar, já saciado. 
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