quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

É privilégio

Constantemente sinto uma sensação indescritível de privilégio. Aquele vento que bate na face e gruda a roupa ao corpo, ao mesmo tempo em que diz algo na língua dos ventos, mas que se pode entender. Andando por uma calçada de mosaicos monocromáticos percebo o lugar, as pessoas e suas atitudes. Nada passa despercebido. Caminho por uma terra de vanguarda e astúcia. Onde o medo do ridículo não aflige a arte. O ridículo, aliás, faz parte da tentativa do genial. É um risco que se corre, e que eu e muitos topamos pagar. Ao fim das caminhadas distantes mas compensatórias, sempre me deparo com o novo, o velho, os dois. E a fascinação de presenciar, ali, tão perto, a junção dos tempos verbais, é plena. Era. É. Será. Tudo em um só lugar. Orgulha-me saber que independente da corrente ou da forma de expressão, há e em abundância, aqui e agora, a mais fina produção artística, nascida do mais puro talento e da mais corajosa audácia que o homem pode alcançar.


Coragem é o que falta para quem não vê isso tudo. Quem não enxerga beleza no rústico ou não valoriza o sofisticado por nu preconceito. Não se trata de uma guerra de classes artísticas. Trata-se da sobrevivência intelectual humana. Não importa quem ou como, ou por que. Importa a motivação, o sentimento de se fazer arte. De coração. O dinheiro? Bom. Vive-se sem ele? Então não julguemos quanto vale a arte. Aplaudamos quem a valoriza, pagando muito ou não. A inteligência do mundo está na arte. E a arte está aonde? Diga-me você.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Engraçado como são genéricos os sentimentos

Quem nunca antes não se deparou com algum trecho de algum livro escrito no século passado que parecia estar falando direta e exclusivamente contigo? Quem nunca escutou uma música cuja letra e melodia parecem encaixar-se na sua vida como se tivesse você sido a fonte de inspiração de alguém que nunca o conheceu? Alguns podem culpar a falta de originalidade. Mas eu, particularmente, aposto na qualidade genérica dos sentimentos. Passa o tempo, mudam as pessoas e eles continuam os mesmos. A vida se mostra como um grande roteiro de cinema, onde cada personagem enfrenta conflitos internos e externos que o fazem evoluir, rir ou chorar, crescer ou definhar. E como dizem, a vida imita a arte. Amores impossíveis, empregos perdidos, amizades destruídas, sucesso, fracasso. Tudo isso gera os mesmos sentimentos, as mesmas lágrimas e as mesmas gargalhadas que nenhuma pessoa até hoje aprendeu a controlar. Controle, aliás, é um sentimento, e dos mais genéricos. Digo porque. Todos acham que podem controlar suas vidas, seus pensamentos, suas atitudes. Mas não. Somos guiados, conduzidos a força extraordinária por lindos e escrotos, os genéricos e inconsequentes...sentimentos. Quer um conselho? Deixe estar.

domingo, 7 de novembro de 2010

Não adianta

Não adianta ter agasalho se faz calor
Não adianta ter remédio e não ter dor
Não adianta se aconselhar com quem nunca acertou

Não adianta andar sem caminho
Não adianta a flor sem o espinho
Não adianta o medo se nada o assustou

Não adianta a fé quando se pode ver
Não adianta o livro sem saber ler
Não adianta o mar se não tenho você

Não adianta ser perfeito se não há perfeição
Não adianta o mundo diante da solidão
Não adianta, já lhe aviso de antemão

Não adianta ganhar se a vontade é perder
Não adianta mudar se a mudança não se vê
Não adianta ser forte se a saudade vencer

Não adianta lembrar se a lembrança já foi
Não adianta falar o que não querem ouvir
Não adianta guardar o que se quer exprimir

Não adiantam declarações musicadas
Não adiantam poemas e cartas
Não adiantam palavras de contos de fadas
Não adiantam. Ainda

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Estranhamente à vontade

Energia, química, física, sei lá. Algumas pessoas são ligadas à outras de uma forma enigmática e completamente sem explicação. Não sei se algum acadêmico insano já se propôs a estudar o caso. Também não fiquei ciente se o mesmo teve a ousadia de nomear este insólito fenômeno. As causas e os porquês não são preocupantes. Agora, o que me faz meditar de modo tão curioso e infantil (no bom sentido) é o instante em que se percebe estar participando de uma cena onde dois indivíduos que nunca tinham se deparado em lugar algum desta úmida atmosféra sentem-se "estranhamente à vontade" numa conversa noturna que servira de preâmbulo para uma curta, porém agradável noite de sono. Há algum motivo? Há alguma predestinação? Não sei. Quem saberá? O certo é que em dias de total hegemonia da impessoalidade, é gratificante encontrar alguém que não limite-se a conversar sobre as condições metereológicas de um dia cinza e sem graça. Não importa no que resultará - ou resultou - este casual e inesquecível encontro. O que realmente importa é saber que você participou de um ponto único no espaço e no tempo. Sorria para o acaso, às vezes ele sorri para você.

domingo, 17 de outubro de 2010

Reflexões de um domingo à noite

O que mais teme um homem que o ato singelo da decisão? Claro que adjetivar o verbo decidir de singelo é pura ironia. A escolha de um caminho geralmente é acompanhada de variáveis que nem sempre podem ser numeradas. Ser ou não ser. Ir ou não ir. Beijar ou não beijar. Parece simples, parece fácil, mas as possíveis consequências inóspitas fazem da mente, alma e coração, o inferno pontual de cada escolha, trazendo um odioso medo do que pode acontecer. E que impiedosamente tira a doce vontade de realmente saber o que virá. Não trata-se de uma ciência exata, não há certezas. Nada é só certo ou errado. Talvez por isso a existência de um receio crônico do que está por vir. Estamos aqui para isso, viver. Amanhã não importa hoje. E hoje não importará amanhã. Somos um livro escrito sem a chance de apagar erros de concordância e coesão e que a cada página revela mistérios, amores e desilusões que uma boa trama exige. E é esse o acento agudo que sonoriza a vida, a nua sinceridade de ser quem se é.

domingo, 26 de setembro de 2010

Frases Comentadas Parte 7

"Que siga crescendo a avalanche de votos. (...) Há um bonito dia. Vamos, que a pátria espera"
                                                Hugo Chávez - Presidente da Venezuela




As orações acima foram tuitadas pelo segundo astro pop da política mundial, Hugo Chávez. Creio que não haja dúvidas sobre quem ocupa o primeiro posto. O cenário na Venezuela é de eleições legislativas e muita, mas muita desconfiança. A oposição venezuelana e o mundo temem a intervenção de Chávez no processo eleitoral, não dando chance aos adversários, e principalmente à democracia. Porém não se sabe exatamente o que se passa pela insana mente do líder bolivariano. A decisão de fraudar as eleições poderia ser um tiro no dedão do pé direito se essa ação fosse comprovada. Mas enfim, onde eu queria chegar com essa história toda? Na verdade, dei-me conta de que o voto é uma aposta em qualquer lugar do mundo. Onde se pode confiar no processo eleitoral não se pode confiar nos candidatos, e o mesmo acontece ao inverso ou ao mesmo tempo. Não confiar nem no poder das urnas, nem nos pretendentes a postular os tão sonhados cargos públicos realmente deve ser uma tristeza (maior que a tristeza tupiniquim). Mas como disse Chávez: "Vamos, que a pátria espera".  

domingo, 12 de setembro de 2010

Blasé

"Você é tão blasé!" disse ela ao descer do carro soltando o El Niño pelas ventas. Carlos não sabia exatamente o motivo de tanta irritação de sua companheira, não sabia sequer o que significava ser um cara blasé. Enquanto refletia sobre as possibilidades que, julgava terem algo a ver com o ataque histérico de Julia, ele viu do outro lado um senhor que já passeava pelos longínquos territórios da sexagenariedade. Carlos saiu do carro e foi ao encontro do velho homem, que sentado nas escadas que antecediam a porta principal de uma casa - provavelmente de sua posse - tranquilamente girando entre os dedos um caule seco de alguma flor do jardim que rodeava o espaço entre o meio fio e a porta. "Boa noite" cumprimentou Carlos estendendo a mão. "Boa noite meu filho" respondeu cordialmente o velho homem atendendo ao gesto. "Posso me sentar com o senhor? Ah perdão, me chamo Carlos por sinal". O velho homem balançou a cabeça, não se sabe se positivamente, pois não foi um movimento muito nítido, e então disse "Minha graça é Franz. E pode sentar sim, fique a vontade, mas não lhe garanto conforto, afinal não costumo receber visitas do lado de fora de minha casa." Carlos sorriu e sentou-se. Olhou para a casa de Julia e viu a janela de seu quarto acesa. Apontou para a janela e disse "Minha garota mora nesta casa, e aquela luz vem do seu quarto". Franz levantou o olhar para conseguir ver para onde o jovem apontava e perguntou "Por que então você não está lá, com ela?". Carlos respondeu "Na verdade não sei. Mas gostaria que o senhor pudesse me esclarecer algumas coisas. Não entendo as mulheres! Não adiantaria ser perfeito, elas não ficariam satisfeitas nem assim". Seu Franz riu alto de forma que sua ligeira gargalhada chegasse a ecoar pela rua deserta ajudada pelo fato de já ser tarde da noite. Presenteou Carlos com dois tapinhas no joelho e disse "Você acha sinceramente que estou sentado aqui, nas escadas do meu jardim às onze da noite, porque quero tomar um ventinho? Não meu jovem, não é por isso. Antes o fosse. Na atual conjuntura, estou começando a achar que ficar do lado de fora é até melhor. Elas (as mulheres) são assim mesmo, são uma sala lotada de gás onde a mínima faísca pode causar resultados catastróficos. Não adianta tentar entendê-las, não adianta tentar consertá-las, a vida as fez assim". Carlos olhou novamente para a janela de Julia e viu a luz se apagar. Voltou a atenção para Seu Franz e indagou "Pois é, tentar entender as mulheres é uma tarefa impossível. Mas eu queria entender pelo menos os xingamentos que elas utilizam. Hoje mesmo é ela (a Julia) me chamou de blasé! Que raios isso siginifica?" Franz levantou-se, descansou sua mão no ombro esquerdo de Carlos e disse "Quem liga? Elas leem tudo isso em alguma revista. O xingamento muda, porque a revista muda com o tempo, mas no final o recado é sempre o mesmo. Vai se acostumando, porque agora elas têm a internet, meu filho".        

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Porque o Movimento é Coletivo




Chega um certo momento na vida em que se percebe que a nossa existência é apenas um elemento de algo muito maior. Somos células de um organismo que não sabemos para onde vai. Achamos que não temos poder de mudar o rumo desse organismo, por diminuirmos nossa importância só por acreditar que uma célula não tem essa capacidade. E de fato não tem. Uma célula não altera nada nem ninguém. É preciso juntar-se com outras, e mais outras e mais outras. E então, quando se tem força suficiente para mudar o comportamento, o rumo, a vida, é hora de tomar uma atitude. E você deve tomar muito cuidado com o grupo de células em que vai se juntar. Há aquelas que se unem para estancar um sangramento e fechar o ferimento, mas também há aquelas que sem piedade constituem um câncer, talvez porque não tenham noção de que podem se afundar junto com o organismo caso ele padeça.



É por isso que um grupo de células muito bem intencionadas criaram o Movimento Coletivo. A ideia é simples, mas o desafio é grande. Em tempos de escassez intelectual na grande massa, o MO busca plantar as sementes do conhecimento e da cultura ao mesmo tempo em que mostra que a união pode sim mudar o ambiente em que se vive. A epidemia de ignorância que invadiu a sociedade tem cura, basta abrirmos os olhos do maior número de pessoas possível para que vejam a realidade e tomem consciência das inúmeras possibilidades de provocar uma mudança. Uma mudança de atitude que desperte a vontade de fazer parte ativamente desse algo maior que é o organismo. Porque apesar de não sabermos para onde ele vai, temos que mantê-lo vivo e cheio de saúde, pois nossa existência depende disso e se quisermos deixar um organismo melhor para as células futuras, precisamos fazer algo agora, antes que seja tarde demais.



Junte-se a esta causa. Para saber mais acesse o site www.movimentocoletivo.com.br e siga o Twitter @Mov_Coletivo.


Porque o Movimento é Coletivo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Soneto Saudoso ou Vice-Versa

Sol e Lua
Seco e chuva
O tempo é volátil demais
Até com o que nos trás

Sempre acreditei no destino
É mais fácil ter um caminho
assim como um menino
que não quer parar de brincar

Não é sempre que chove
E quando chove talvez não molhe
A terra onde eu vou pisar

Também não é segredo
que eu tenho medo
quem nunca teve pode uma pedra arremessar

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Caos(as) Maiores

A esposa levanta alegre, cantante, pulando da cama e sacudindo o marido que babava no travesseiro de penas de alguma ave qualquer. Ele reluta em dar atenção à euforia da esposa. Vira-se pra um lado, vira-se para o outro. Enquanto isso ela vai até o banheiro para sua higiene matinal. Volta, abre as janelas e diz:

_Arnaldo, olha que dia lindo, é o seu dia meu amor!

Arnaldo ainda não tinha percebido o alvoroço na rua da sua casa, bem em frente ao seu portão. A esposa delirante vendo a algazarra gritava:

_Ai que emoção! Eles vieram pra te apoiar, te levantar como um herói para o Brasil e para o Mundo!

Ouvia-se gritos vindos da rua, mas de dentro da casa não era possível identificá-los nitidamente. Arnaldo resolveu enfim se compor para enfrentar aquele dia que já não começara da maneira que lhe apetecia. Na mesa do café da manhã, Arnaldo comia suas tradicionais bolachas de água e sal, mas sentiu falta do leite sobre a mesa.

_Maria, pegue o leite pra mim? disse ele. Ela sem pestanejar levantou-se e foi correndo até a geladeira apanhar o item solicitado. Maria sentou-se em frente a Arnaldo e perguntou:

_Querido, você acha que vai ser fácil? Vai ser fácil, não é? Eles te adoram!

_Eles não me adoram. Esse povo não adora ninguém. A gente quer fazer um trabalho decente e todo mundo fica reclamando de dinheiro de pinga que é desviado para causas maiores!

_Mas se as causas são "maiores", não é mais fácil explicar isso pra eles?

_Maria do Céu! Eles não sabem nem ler. Explicar alguma coisa pra essa gente é falar com uma porta.

_Você já tentou falar com uma porta?

_O que? Ah, deixa pra lá! Você me acompanha hoje? Em dia de eleição sempre é bom mostrar o lado família!

_Claro querido, vamos nos aprontar. E aliás, não esquece de colocar seu Armani, você tem que ficar muito elegante! O povo tem que saber que está bem representado pelo chiquérrimo Arnaldo Ferraz!

_Eu sei, eu sei. É por isso que eu te amo querida! Você me entende, sempre quer o melhor pra mim, e além do mais sabe como ninguém combinar as minhas "causas maiores".

domingo, 8 de agosto de 2010

Simples

Sou simples. Tenho desejos simples. Simples pra mim, não para o mundo. Tudo o que se quer ganha complexidade intensa quando se deseja muito alguma coisa. Talvez seja proposital, algo como uma peça do destino pra ninguém se acomodar e logo se entediar com a vida. Muitos tem a ilusão de viver para o futuro, de fazer planos que desfocam o seu próprio presente. Nada contra fazer planos, só acho que o agora é o lugar mais importante na linha do tempo.
Parar de viver pensando no que pode acontecer daqui a determinado período é uma escolha. E escolhas tem uma considerável propabilidade de não corresponder às expectativas de quem as fez. Eu escolho o agora, eu escolho o aqui. E, infelizmente, também corro o risco de estar errado. Por isso meus desejos são simples. Eles se resumem em querer que o meu agora seja bom, e que o agora de amanhã seja melhor ainda. Mas quando se deseja muito alguma coisa o que faz o destino? Te prega peças. Peças pequenas e grandes. Peças que são como pedras que se deve tirar do caminho e às vezes pisá-las descalço, pra que quando o chão macio chegar, o alívio seja ainda mais prazeroso.
Onde quero chegar com toda essa reflexão? Quero saber como lidar com as pedras. Não sei se tenho habilidade suficiente pra me desviar delas. Não me culpo por isso. Estou aprendendo, afinal, que sei eu da vida? Sei muita coisa, mas não é metade do que está por se apresentar a mim. Mas das poucas coisas que sei da vida, é que ela é simples, que nem eu. E é por isso que eu gosto dela. E acho sinceramente que ela também gosta de mim. Dou as minhas mãos à vida e deixo ela me guiar. Porque apesar de tudo eu confio nos seus caminhos.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Especial

Seis bilhões de pessoas no mundo. Pensando racionalmente quase dá pra entrar em crise de desesperança. Quantas dessas bilhões são realmente especiais? Não creio que muitas, porque até hoje não conheci número suficiente para perder a conta. Fico me perguntando o motivo de tamanha discrepância entre os ordinários e os especiais. Tempo atrás eu obtive a resposta das minhas reflexões. É preciso muitos ordinários para que possamos compreender a importância dos especiais. Não me julguem prepotente, me considero ordinário, mas um ordinário especial. Por um simples motivo: O fato de ter a imensa sorte de conhecer pessoas especiais.


E esse texto é dedicado a uma das pessoas mais especiais que eu já conheci.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Só mais uma história

O ônibus cheio deixa melindrada a jovem garota de vestido amarelo e rosto tímido. Ela carrega consigo um mala de viagem média, talvez com roupa suficiente para uma semana. Está só, e talvez por isso deixe transparecer um certo ar de espanto. Há pessoas estranhas para ela naquele lugar, não está confortável, quer chegar logo em seu destino. No bolso está um bilhete, manuscrito pela mãe e que lhe desejava boa sorte. Um a um os passageiros foram descendo em seus respectivos pontos, e a cada descida a jovem garota de vestido amarelo sentia-se mais aliviada, como se a solidão fosse sua melhor companhia. Talvez fosse, por enquanto.

Uma mulher de óculos escuros espera a garota na porta de um cinema no centro da cidade, tomando um refrigerante e observando os cartazes dos filmes. Ela de costas pra rua, ouviu o som de um ônibus freando e virou-se rapidamente como se já soubesse que a garota estava nele. Descendo os degraus do coletivo, a garota sorriu para a mulher de óculos escuros e chegando até ela a abraçou com muito carinho. "Como vai doutora?" disse a mulher dos óculos escuros. "Estou bem Clarice, e você como está? É muito bom te ver de novo." respondeu a garota de vestido amarelo. Clarice convidou a doutora, que se chamava Gabriela, para entrar no cinema. Gabriela estranhou e perguntou se não podia descansar primeiro, já que havia feito uma longa viagem. Clarice disse que era importante e que não tomaria muito seu tempo. As duas entraram no cinema que estava vazio, sentaram em poltronas separadas por duas ou três fileiras, apoiaram seus pés nos encostos das cadeiras e começaram a gargalhar. Eram velhas amigas, desde sempre. Gabriela disse "Acho que ficou bom!". Clarice respondeu que sim, que adorava quando Gabriela interpretava a doutora, "Você fica séria, se eu não te conhecesse te comprava".

Eram atrizes e viam na vida uma imensidão de histórias. Pegar um ônibus com uma mala vazia e fingir que estavam com saudades uma da outra após um falso reencontro, fazia com que acreditassem realmente estar sentindo o que interpretavam e esse era o passatempo das duas. E a vida prova que Gabriela e Clarice estão certas, que tudo é um longuíssima metragem onde quem escolhe o gênero são os próprios protagonistas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Devaneios de três bêbados

Os diálogos abaixo foram confeccionados de forma improvisada e sequencial.
@diogodias como Cara 1
@renato_al como Cara 2
@_AndersonDias_ como Cara 3



Cara 1: América, ó América!
Cara 2: Mas que porra de América é essa meu filho?
Cara 3: Por que todo mundo quer ir para a América?
Cara 1: Ir? Quem falou em ir pra algum lugar? Não estamos bem aqui?
Cara 2: Mas você mesmo foi quem lembrou da América, aquela tão longe!
Cara 3: Quem disse que ela está tão longe? Falamos tanto dela e nem a conhecemos...
Cara 1: Eu a conheço muito bem. Vadia!
Cara 2: Então é isso! América é tudo aquilo que conhecemos de pernas abertas.
Cara 3: Ah, América!
Cara 1: Então você lembrou?
Cara 2: Pra mim, a América é tudo aquilo que nos dá vida, não importa como.
Cara 3: Tudo que dá vida o que? A América é a maior putaria!
Cara 1: Puta que pariu! Quanta promiscuidade pra só duas cabeças!
Cara 2: Promiscuidade e putaria andam juntas. E a vida vem logo depois.
Cara 3: Mas a vida é assim. Desde pequena é sofrida.
Cara 1: Meus amigos, que coisa, não? América nos trouxe pessimismo sem precedentes.
Cara 2: Não é pessimismo. A vida parte de uma putaria sem tamanho, amigo.
Cara 3: É a gente começa assim e vê que tudo acaba em putaria.
Cara 1: A putaria é o começo. No fim ou goza ou broxa.
Cara 2: É isso que eu queria dizer. Se goza é vida. Se broxa, nem putaria é.
Cara 3: Na América tem muito mais gente que curte a vida.
Cara 1: Psicodelia regada à álcool essa a nossa, não?
Cara 2: Há psicodelia de todo o jeito, a do álcool é assim. Sempre puxa pra putaria.
Cara 3: Afinal o que seria do álcool se não existisse a putaria, e da putaria se não existisse o álcool?
Cara 1: É como o ovo e a galinha.
Cara 2: É como aquela vontade irremediável de mijar sem ter a porra de um sanitário aqui por perto...
Cara 3: Há tantos lugares pra mijar na América. Argentina, por exemplo.
Cara 1: Tenho que ir, aceitam carona?
Cara 2: Peraí, agora que íamos falar das coisas sujas da América. Mijar é uma coisa suja..
Cara 3: Coisas sujas? Já falamos da Argentina.
Cara 1: A América é favela. Mas só num cantinho tem samba.
Cara 2: Vocês sempre lembram da última azeitona, mas tudo tem valor.
Cara 3: Sim. Tudo tem seu valor. O que seria de nós sem os americanos pra criar e os chineses pra copiar?
Cara 1: Seríamos o que somos de melhor. Criadores e copiões.
Cara 2: Mas com quem você aprenderia a criar, e com quem aprenderia a copiar?
Cara 3: Seria o jeito brasileiro de ser.
Cara 1: Ok. Vamos.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Salve a Cerveja!

Um salão nobre, damas e cavalheiros muito bem vestidos. Um verdadeiro desfile de smokings e vestidos de alta costura. Ao fundo, a trilha é tocada por um pianista de luvas brancas. Todos tomam cuidado ao falar. O garçom interrompe uma conversa de uma roda de senhores e diz: _Aceitam cerveja?

Essa cena é impensável, pelo menos de acordo com nossa bagagem cultural. Por um simples motivo. A cerveja está marginalizada. É! Isso mesmo. Vou repetir. A cerveja está marginalizada! E sabe quem leva a fama de boa bebida? Os destilados, sobretudo o uísque. No cinema, na televisão, nas rodas da alta sociedade. Ninguém coloca a cerveja no casting. Nas cenas da novela, quando alguém é recebido em casa, o anfitrião logo oferece um scotch e duas pedras de gelo. No cinema idem. Nos jantares de negócio e eventos sociais o uísque reina absoluto. Absolut? Também! Até a soviética vodca ganhou espaço no status de bebida conveniente. O engraçado, é que poucas pessoas sabem degustar um destilado. A maioria aceita por educação, toma um gole homeopático e ainda faz cara feia, como se isso fosse dizer: "Pô! Essa é da boa". Por que então não abrir o coração, ser sincero e dizer: "Não obrigado. Você tem cerveja?". Porque a cerveja está marginalizada.

Dizem que ela engorda, que é agente de inchaço abdominal, que prejudica a circulação. Que é tomada em grandes quantidades (e daí?), e faz arrotar. Coitada, ela não pode sofrer tamanho preconceito! Olha o lado bom. Tem baixo teor alcoólico, é feita de cereais, é uma bebida totalmente social, geradora de assunto. Não se vê inimigos tomando cerveja juntos. Ao contrário do uísque. Tá vendo? A cerveja é uma bebida sincera e que deixa seus apreciadores também com altas doses de sinceridade. Cerveja combina com churrascos, aniversários, confraternizações da firma, e até festas infantis, para que os pais não morram de tédio e de azia de só ingerir salgadinhos e refrigerantes. Vamos valorizar a cerveja!

Se você é ministro, embaixador, empresário, socialite que não tem o que fazer e organiza festas sem motivo específico, anfitrião ricasso, cineasta ou autor de novela, peço-lhes rever seus conceitos. Não é com uma bela garrafa de Chivas que se ganha a simpatia de alguém. É com aquela garrafa marrom com rótulo caindo e com a transcrição CERVEJA no vidro.

Tomar bem.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pois é, o frio existe.

Sua mãe dizia: "Se agasalhe meu filho". Mas ele nunca acreditou no frio. Assim como não acreditava na solidão. Era sua primeira noite na nova casa. Arejada, aconchegante e acolhedora, tinha tudo para ser seu canto preferido do mundo. Como casa foi usado anteriormente de forma figurativa, convém esclarecer que se trata de um apartamento. Aliás com uma bela vista da avenida Ipiranga. Sua autoestima tranquilizava seus nervos e iludia seu corpo de que ele estava totalmente preparado para enfrentar o mundo.

Ainda com o apartamento sofrendo com as tralhas da mudança e suas roupas aguentando sem claustrofobia o confinamento da mala, resolveu descer e reconhecer a região. Sua nova vizinhança. Era como se estivesse marcando território. Caminhando com as mãos no bolso, sentiu um cheiro delicioso de café. Apenas volveu a cabeça para a direita e viu uma simpática casinha de moldes antiquados (digo isso sem nenhuma intenção pejorativa). A porta era de madeira e a janela também. Tinha uma cor rosada, certamente se as mulheres a vissem inventariam um sobrenome muito criativo para ela. Algo como rosa framboesa. Enfim, isso não vem ao caso. Curioso, mesmo sem saber porque, resolveu ir até a casa e bater à porta. Parou em frente, serrou o punho e deu três toques rápidos na porta de cedro. A porta se abriu e revelou uma senhora, de por volta setenta anos.

_Olá. Boa tarde senhora.
_Boa tarde meu filho.
_Tudo bem?
_Tudo bem e com você?
_Tô bem também. É...Qual o seu nome?
_Benedita, mas todo mundo me chama de Dona Dita.
_Legal. O meu nome é...
_Julio?
_Como a senhora sabe?!
_Está na sua corrente.
_Ah! É verdade.
_Posso te ajudar em alguma coisa?
_É que eu acabei de me mudar para cá e estava precisando de um pouco de...
_Açucar?
_Não, não é isso. Talvez um café.
_Isso eu tenho e é dos melhores viu meu filho!
_Posso entrar?
_Mas eu não te conheço! Sou apenas uma senhora indefesa e se você for, sei lá, um ladrão?
_Se eu fosse um, não estaria conversando a todo esse tempo, concorda?
_É verdade, né? Então tá, entre meu filho.
_Com licença.
_Toda. Você gosta de biscoitos?
_Adoro!

Julio não acreditava, mas em sua primeira noite no mundo, ele foi se agasalhar do frio da solidão.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O nosso Woodstock

Se você pudesse voltar no tempo e escolher um único acontecimento para vivenciar, qual seria? Muitos responderiam sem nenhuma dúvida que gostariam de estar no Festival de Woodstock. E não é pra menos. A primeira edição aconteceu em 1969 e reuniu mais de meio milhão de pessoas. O evento tomou proporções gigantescas, e reza a lenda que por causa do festival a principal rodovia do estado de Nova Iorque foi bloqueada pela multidão que se dirigia à cidade de Bethel, local escolhido para abrigar esse histórico movimento pela paz, contracultura e música em meados dos anos 60.
Voltar àquele lendário agosto de 1969 é impossível. Mas e se houvesse uma reedição do Festival de Woodstock? Legal, não é? E se por ventura essa reedição acontecesse aqui no Brasil? É isso que os grupos Totalcom e The Groove Concept estão realizando. O desafio é grande, o momento é outro, mas o espírito de conscientização e preocupação com o mundo prometem permanecer nas raízes do Festival. Além de atrações musicais, a organização do evento promete exposições e mostras de artes ligadas ao tema sustentabilidade, além de um fórum que também discutirá questões sócio-ambientais. O festival terá o nome de Stars With You – SWU/Woodstock e acontecerá entre o dias 9 e 11 de outubro deste ano. O local escolhido foi a Fazenda Maeda, em Itu, que fica a cerca de 70 km de São Paulo. O público já pode comemorar as presenças de Linkin Park, Dave Matthews Band, Pixies e Incubus, confirmados pela organização. A divulgação do festival tem como lema “SWU – Começa com você” e procura conscientizar o público para o tema do evento.
Há quem critique a iniciativa dizendo que o real objetivo dos organizadores é obter lucro ás custas de um mote que hoje em dia está em moda, a sustentabilidade. Claro que o retorno financeiro é esperado, porém o público deve comemorar a chance de participar de um evento que reunirá artistas importantes da música nacional e internacional e, além disso, o colocará em contato com um movimento contemporâneo de artes plásticas ligadas a um tema essencial para o planeta. E além de todo o argumento de sensibilização e engajamento do público, o SWU promete ser inesquecível tanto para aqueles que já presenciaram grandes festivais num passado não muito distante, quanto para aqueles que irão neste tipo de evento pela primeira vez. Boa música e cultura não irão faltar. Bom divertimento!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Quatro e Cinco

São quatro horas e cinco minutos de um dia amargo quando olhou no relógio. Um dia que deixou o reflexo do espelho um pouco mais feio, mais gordo, apesar de seus setenta quilos distribuidos em um metro e setenta e sete de um corpo esguio e mal tratado pelo uso excessivo de álcool e pela má alimentação estimulada pela vida agitada dos dias atuais. Nada que se compare a uma aparência enferma, mas também não se via muito de vitalidade naquele sujeito. Ele olhou para o relógio e constatou que o ônibus já deveria ter passado. Não que ele fosse apanhá-lo, mas tornou-o referência para se lembrar de que já era em tempo de se mandar para casa. Constatando o atraso do coletivo resolveu iniciar a caminhada rumo ao aconchego e doçura de seu lar. Levantou-se do banco chumbado rente ao balcão do botequim onde estava calmamente saboreando seu coquetel predileto. Retirou do bolso do paletó uma velha carteira. Abriu-a para pegar o dinheiro que pagaria sua consumação e antes que o fizesse, se espantou. Algo parecia prender seu olhar à carteira aberta. Era um retrato. Um pequeno retrato, ainda em preto e branco, onde estava ele e sua esposa sentados num cais abandonado, que ele nem se lembrava onde ficava. Pareciam felizes numa intensidade impossível de crer para quem os conhecesse hoje em dia. A foto havia completado mais de vinte anos, assim como o seu casamento. Lacrimejando sorriu. Viu que, na foto, ele estava vestindo um chapéu, daqueles parecidos com os que os capos da máfia italiana usavam. Lembrou que ela adorava quando ele estava de chapéu. Dizia rindo: "Até parece um homem sério! Mas ainda bem que não é."

Após um par de minutos olhando pra foto sem desviar o foco, se deu conta que tinha que ir. Tirou o dinheiro rapidamente, pagou o balconista pela bebida e saiu a passos apressados pela calçada. Andando naquele ritmo quase-correndo e deixando escapar risos e breves gargalhadas foi virando esquinas, atravessando praças, cumprimentando desconhecidos e acariciando os cães que passavam pelo seu caminho. Acelerava os passos até perceber que já corria, feito um menino atrás de um pipa. Corria, corria. Até parar repentina e bruscamente em frente a uma loja. Uma loja de chapéus. Parou um instante admirando a vitrine, respirou fundo para retomar o fôlego, se ajeitou e entrou. "Boa tarde. Em que posso ajudá-lo?" "Boa tarde! Eu quero um chapéu. Um bem bonito, meio estilo anos trinta, Al Capone, sabe?" "Sim, senhor. Venha cá vou lhe mostrar alguns modelos." Se deliciou experimentando dezenas de modelos de chapéus. Se olhando no espelho já não sentia o excesso de feiura e gordura adquiridos naquele dia. Esbanjando sorrisos, finalmente escolheu seu preferido. "O senhor até parece um ator, daqueles de teatro." Elogiou a vendedora. E ele ainda se admirando no espelho respondeu: "O que parece, às vezes é. Vou levar este aqui!" Saiu da loja vibrante, parecia que tinha acertado os preciosos números da loteria federal. A loja já não era tão longe de sua casa como o boteco onde estava. Em dez minutos já estava em frente ao portão de casa. Inquieto, sentia que estava faltando alguma coisa. "Flores!", pensou. Num pequeno jardim entre o portão que dava para a rua e a porta da casa ele encontrou duas rosas, lindas e vermelhas. Arrancou apenas uma, pois ficou com dó de deixar o jardim solitário. Com o chapéu na cabeça e a rosa na mão esquerda, que posicionou às costas para que ninguém que o visse de frente conseguisse saber o que segurava, entrou em casa. Disse: "Querida, você está aí" Ela não estava na sala, o primeiro cômodo que se via ao entrar. Ele também não ouviu resposta. Se dirigiu até o quarto e quando abriu a porta viu na cama duas malas feitas e o guarda-roupa com as portas do lado dela abertas e completamente vazio. Mesmo não sabendo o que estava acontecendo, sentiu um aperto grande no coração. Ouviu a descarga ser acionada no banheiro, logo após do barulho do jorrar da torneira ouviu a porta se abrindo. Era ela. Estava toda bem vestida e ao vê-lo pareceu surpresa de encontrá-lo tão cedo em casa. "O que você está fazendo aqui a essa hora?" "Como assim meu amor? É o horário que costumo chegar." "Está maluco?! Ainda são quatro e cinco." "Quatro e cinco?? Mas quando...eu.." Sem completar a frase, olhou no relógio e realmente os ponteiros ainda marcavam quatro horas e cinco minutos. Estava quebrado. "O que são essas malas querida?" "São o fim do nós. Estou indo embora, já não temos nada há anos." Ele sem acreditar no que ouvira, soltou os braços e os dedos, deixando a rosa cair no chão. "Vai embora? Pensei que me amava" "E eu pensei que você fosse um homem sério." Sem dizer mais uma palavra sequer, ele sentou na cama, tirou o chapéu o segurando com as duas mãos ao colo e chorou silenciosamente com a cabeça baixa, enquanto ela passava feito um vulto por ele pra nunca mais voltar.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Existem maneiras diferentes de fazer muitas coisas

Buzinas, pneus cantando e denunciando o atraso na freada, carros vindo de todos os pontos cardeais. Palavras chulas e gestos nem um pouco amistosos. Esse é o meu dia, essa é a minha vida. Sabe-se que a vida de um guarda de trânsito não é fácil. Não é para qualquer um ficar com aquele apito na boca e ser justo o bastante para não irritar pedestres, motoristas, motoqueiros e velhinhas. Certamente você irá se perguntar: Velhinhas? É! Velhinhas! E lhes conto uma história que explica o porquê.

Numa tarde qualquer, quando já estava exausto, louco para ir para casa e prestes a dar minha última apitada, já que o semáforo já havia sido consertado, vi uma velha senhora na calçada. Seu rosto simpático e a aparente idade avançada me fizeram querer ajudá-la. Resolvi então orientar os automóveis a parar, assim a doce velhinha atravessaria a rua sem maiores problemas. Assim que todos pararam chamei com um gesto a senhora e me virei para o outro lado da calçada para verificar se havia mais alguém a atravessar. Quando olhei novamente a velhinha tinha caminhado apenas até o primeiro retângulo da faixa de pedestres. Gritei: "Venha senhora! Os carros querem passar!" E ela não se mexeu. Pior. Ainda tirou um livreto da bolsa e começou a ler. Os motoristas já irritados começaram a onda insuportável de buzinas e a velhinha nem aí. Corri até ela e disse: "A senhora tem que atravessar rapidamente, senão terei que liberar os carros". Ela tranquilamente respondeu sorrindo com sua dentadura amarelada: "Só queria saber como é ser uma mulher de parar o trânsito".

sábado, 22 de maio de 2010

Um dia e uma noite

Amanheceu, acordou, levantou, comeu.
Lavou-se, vestiu-se, maquiou-se, saiu.
Dirigiu, chegou, trabalhou, telefonou.
Cansou, ligou, combinou, partiu.

Encontrou, cumprimentou, sentou-se, pediu.
Conversaram, beberam, riram, jantaram.
Gargalharam, entreolharam, envergonharam-se, se tocaram.
Se aproximaram, se declararam, se encantaram, se beijaram.

Amanheceu, acordou, procurou, se decepcionou.
Levantou, refletiu, se arrependeu, chorou.
Não foi amada, mas amou.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Começa Sustentare, pra não Acabar Chorare

O dia parece muito curto pra mim. Para tudo o que eu quero fazer. Vinte e quatro horas que às vezes nos trancam como jaulas nos padrões do tempo. Por que todo mundo precisa estar dormindo às três da madrugada? A resposta todos sabem. Não vale a pena discorrer sobre ela, pois cairíamos numa reflexão sóciocultural que renderia texto suficiente para uma tese de mestrado. O que me incomoda é, o que mais nos toma tempo muitas vezes é o que precisamos fazer, e não o que queremos fazer. Passamos um terço de nossas vidas dormindo. Que absurdo! Trabalhando então, nem se fala. Convivemos mais tempo com o chefe do que com qualquer outra pessoa que esteja na frente dele no nosso ranking pessoal de simpatia. Acho que grande parte da culpa da não evolução do homem, em termos éticos e morais, é a falta de tempo pra usufruir e entender o que realmente importa na vida.

Hoje olhamos mais para o relógio do que para a janela. Ficamos tão preocupados com a movimentação dos ponteiros que esquecemos de reparar se ainda é dia, se é noite, se faz frio ou calor. O efeito hipnótico da rotina fez o homem estagnar sua produção cultural. Há sim movimentos artísticos e culturais importantíssimos, mas mesmo juntando todos eles, acabam resultando numa grande minoria. Sem arte, não há reflexão. Sem reflexão não há mudança. E sem mudança não há evolução. O que vivemos é um mimetismo da vida. Encontro mais realidade na arte do que na própria realidade.

Em tempos de massas moldadas à cara larga pela grande mídia, temos que nos posicionar pra não cair nessa cilada. Escrever uma música, brincar com acordes, pintar, escrever, desenhar, ler, ou simplesmente só admirar tudo isso, já é um grande passo. O conceito "sustentabilidade" não é exclusividade do meio ambiente. Nossa mente e alma precisam de mais atenção, pra se fortalecer e evoluir. Porque ser sustentável é alimentar a vida ao invés de acabar mais rápido com ela.

domingo, 25 de abril de 2010

Conto de Dois

A cidade parecia mais agitada do que de costume. O café diário na padaria de frente à praça estava com gosto diferente, talvez mais amargo. Olhou no relógio e já eram dez da manhã, mas não parecia. O céu estava nublado, mas não a ponto de temer a chuva. A temperatura amena permitia roupas leves, uma camisa de mangas curtas e jeans, pra variar. Sua capacidade de concentração não estava em seus melhores dias. Ele não prestou atenção ao valor a ser pago ao caixa da padaria e mesmo que tivesse olhado para o aparelho televisor a maior parte do tempo em que esteve ali, não conseguiu traduzir nenhuma palavra para o consciente. Era um dia estranho. O que não quer dizer bom ou ruim, apenas estranho.

Sua agitação casual não era por acaso. Um dia importante para ela. Tinha se empolgado com a maquiagem e na escolha das roupas, só esquecera do tempo. Quando se deu por si estava no limite de seu horário de saída. Apressada se lançou à rua como se tivesse que tirar seu amado pai da forca. Ignorou o céu nublado e largou de mão seu guarda-chuva que estava no sofá da sala. A pressa fazia com que o relógio andasse mais rápido e o mundo mais lento. Não adiantava tentar não pensar no seu inevitável atraso. Elaborava histórias e situações tão convincentes para usar como desculpa que logo às descartava por achar que eram perfeitas demais. Enquanto era chacoalhada pelo ônibus, batia um certo desespero depressivo que a deixou triste. E uma lágrima caiu marcando seu rosto com um traço negro.

Ao sair da padaria, abriu os braços para o mundo e sorriu comemorando a estranheza do dia. Viu o céu cinza, o asfalto cinza, as pessoas cinzas e viu a praça. A praça era verde e foi o que o encantou. Esperou até o semáforo lhe permitir passagem e atravessou a rua a passos largos até chegar à outra calçada, onde estava o verde. Em meio a um caos já considerado comum, percebeu que aquele talvez fosse o seu refúgio momentâneo. Sentou-se num banquinho de concreto, cruzou as pernas e colocou seus braços abertos apoiados no encosto. Assistia tudo o que se passava perante os seus olhos como se estivesse fora daquele mundo. Perguntou-se o por que estava ali sentado numa praça qualquer, observando coisas que nunca tinha reparado. Não encontrou respostas.

Para coroar sua frustração, o ônibus que estava quebrou ainda distante do seu destino. A linda garota entregou-se ao pranto, como se tudo tivesse acabado naquele dia. Desceu do veículo e sentando na calçada sentiu seu coração apertar, pensando nas conseqüências de não comparecer ao tão importante compromisso.
Enquanto chorava com a cabeça entre os joelhos sentiu uma gota d’água deslizar em suas costas. E depois outra gota, e outra e outra. Estava chovendo e ela não havia levado seu guarda-chuva. Viu do outro lado um rapaz correndo em direção a um coreto que ficava no centro de uma praça. Achou uma boa idéia. Correu para lá também.

No coreto ele ria descontroladamente sem saber porque. De repente a viu correndo em sua direção. Extasiou-se com aquela imagem que parecia uma visão divina. Ela por outro lado estava preocupada em não se ensopar por completo. Subiu a pequena escada e finalmente se abrigou. Respirando fundo para se recompor ela viu o rapaz a olhando fixamente, achou estranho, mas não se importou, desviou o olhar e continuou a amarrar seus longos cabelos. Ele ainda paralisado pelo encantamento que lhe tomou os sentidos viu que a maquiagem borrada denunciava que talvez o dia não tivesse sido bom para ela e disse: “Talvez queira lavar o rosto.” Ela respondeu: “Talvez eu queira lavar a alma.”
O coreto então tornou-se apenas um ponto de encontro para uma dança na chuva.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Não dá pra negar

Não há como negar certas coisas. Coisas que tentamos esconder a sete chaves já são de domínio público antes mesmo de saírem de nossa boca. Culpa do olhar, dos gestos, dos atos. Somos denunciados, ou até mesmo traídos por nossas próprias facetas. Não há remédio, não há cura. Não há cura pra verdade. Apesar de inconscientes são manifestações verdadeiras, sinceras, que nascem de impulsos incontroláveis desencadeados por sentimentos momentâneos ou não. Mesmo não tendo controle sobre aquilo que é inegável ao olhos de quem nos fita, devemos tomar cuidado. Por vezes ficamos submissos aos impulsos da mente e do coração e isso pode incomodar aqueles que estão ao lado. Por isso preste atenção. Não se deixe hipnotizar por belos olhos verdes ao servir o café puro, você pode perder a linha e sujar a linda toalha de renda branca por não ver que a xícara transbordou.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Sabe aquela Coisa?

Há coisas que não se consegue dissertar. Não se sabe cor, forma, duração, peso, tamanho, profundidade, diâmetro, densidade, intensidade. Sabe aquela Coisa? Que Coisa? Aquela! Não sei não.

É assim que acontece. Um belo dia de início, acredita-se que o sol vá perdurar até o cair da noite. Você que não está só, percebe que a chuva pode deixar nublado aquele cenário perfeito. O surpreendente é que a partir daí a Coisa aparece, dentro de você. Será que a Coisa queima? Será que ela resfria? Tira o ar? Não dá pra saber, só dá pra saber que a Coisa está lá. Ela é impermeável e ignora a má intenção da água que cai do céu. A cada gesto, a cada olhar a Coisa reacende e deixa o tempo andando devagar, em câmera lenta, pra te ajudar a tentar entender. Só que tentar entender uma Coisa dessas é tarefa desumana. É só sentir.

E quando alguém depois lhe pergunta: Como foi? Você responde: Sabe aquela Coisa?

segunda-feira, 22 de março de 2010

Quero mais

Alegremente ria ao fim. Todo o alivio que me tomou. Depois de horas sem exatidão, tudo que eu mais queria era me levantar e me sentir, nem que fosse o mínimo, livre. Nao sei como alguns suportam ângulos no sol. Cheiro metálico das correntes que os prendem debaixo de outra mão. Longe é tudo onde não se consegue chegar, apesar de tentar.


obs: escrevi este microtexto em 23/01/2006. Não houve alterações no mesmo.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Até logo

Ele quis dizer o que sentia.
Sentia mas não via,
que o falar dela ele não ouvia.
Sinais postados a frente dos olhos.
Sem entender o óbvio.
Ingenuidade infanto juvenil
Ame, brinque e seja gentil.
Memórias de bons e quentes dias
De pele e de quadril.
Empolgação e euforia
O sol brilhava quando ela sorria.
O soro tem gosto de lágrimas
Como o Titãs dizia.
Mas ele não desiste.
Põe seu amor em riste.
Convencido que não há nada mais triste.
E que nem o céu é o limite.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O Tempo

A passagem, a marcação, as lendas, a mística. O tempo são só horas? Isso tudo cabe dentro de meses? Somos tudo e não somos nada. Somos uma dízima periódica de um cálculo sobre o mundo. Somos a principal coisa em determinadas situações.

O tempo é sábio, louco e médico. Ele ensina, ele faz se perder, ele cura. O tempo é Deus. Decide sobre todas as coisas de acordo com o que ele planeja. Mas não podemos parar e esperar as rugas contarem uma história sem muita atração. Como levamos o tempo e como deixamos ele nos levar muda tudo, porque aquele mesmo caminho pode demorar muito ou pode nem durar o suficiente pra se lembrar. E lembrar é a foto que o tempo tira e guarda na nossa alma. Mas o que fica é a lição de ser, sentir e sempre se banhar na calma. Na calma certeza de que nem tudo passa, o que vale a pena sempre fica, pra te fazer companhia num domingo chuvoso de verão.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Vamos falar de publicidade

Não entendi o motivo de não ter escrito sobre publicidade ainda. Um assunto que eu penso, falo e reflito durante boa parte do dia. Talvez seja porque a atividade intensa de absorver conteúdo tenha me tirado o tempo necessário para desenvolver conteúdo. Depois das diversas prosas, que meus amigos não aguentam mais, sobre o fabuloso mundo encantado da propaganda, percebi que tenho muitas opiniões interessantes sobre o assunto. E quando digo interessantes não afirmo que são certas ou erradas, são apenas visões peculiares sobre algo que faz parte da cultura do brasileiro de maneira tão forte e que por vezes é tão pouco discutido fora da panela publicitária. Afinal, publicidade também é uma Assunto Popular Brasileiro.

Para começar podemos falar um pouco da mística criada em torno da atividade publicitária no Brasil. A primeira coisa que me chama atenção é a imagem que alguns adolescentes recém saídos do colégio tem do curso de publicidade. Na inevitável dúvida pré vestibular a cabeça do coitado vai de zero a cem em cinco segundos com a pressão de uma escolha que poderá (ou não) ditar o resto da sua vida. Pais, amigos, prós e contras de cada profissão, acabam gerando um turbilhão de dúvidas e a falta de informações, terminam gerando impressões que nem sempre condizem com a realidade de cada disciplina. Eles pensam: "Medicina é preciso sangue frio, psicologia é pra loucos, não vou fazer engenharia porque odeio matemática, direito tem que ler muito e administração vai me fazer um executivo, eu não quero ser executivo!". E depois pensam: "Publicidade! Sim, como não pensei nisso antes?! É isso mesmo, publicidade é moleza!". Mas o que os nossos ingênuos pupilos não sabem é que o publicitário tem que ter sangue frio, um pouco de loucura, que vai conviver com a matemática, vai ler tanto que vai virar míope e se quiser ganhar dinheiro terá que virar um executivo ou algo parecido. A rapadura é doce mas não é mole não. E é por isso que digo, esse ramo é para quem gosta, para quem respira e entende propaganda. O que não é difícil, precisa-se apenas de muita sensibilidade. Por que sensibilidade? Simples. Porque se lida com pessoas, seus sentimentos, crenças e princípios, só por isso. Portanto rapaziada que ainda não se decidiu, pense bem e pense muito, se conseguir fazer isso já é um grande passo para se tornar um publicitário.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Frases Comentadas Parte 6

"Somos o país mais preparado do mundo para encontrar o ponto G"
Luiz Inácio Lula da Silva - Presidente da República Federativa do Brasil




Encontrar o ponto G não é tarefa das mais fáceis. Sem nem um jantar, flores, uma boa conversa, preliminares e muito, muito carinho, é difícil chegar a esse tão sonhado objetivo. Nos tortuosos caminhos até o clímax nacional, necessidades e certos caprichos precisam ser supridos com elegância e capricho de um gentleman. Queremos que a porta seja aberta para entrarmos, que a cadeira seja puxada para sentarmos e que o jantar seja de bom gosto. Bom, pelo menos é isso que eu espero.

Nosso país tem muitas qualidades exuberantes. Belezas e riquezas naturais, bom solo, boa gente, nosso clima não sofre de austeridades de dons catastróficos, nossa moeda tem se fortalecido, a inflação já parece estar a sete palmos do chão e tudo mais, só que duas coisas me colocam não apenas uma, mas umas centenas de pugas atrás da orelha: a soberba e a desonestidade do político brasileiro. Eu e a torcida do Flamengo, sabemos que assuntos com alto poder de desviar o foco do que realmente importa, como a Copa do Mundo, pré sal e Olimpíadas, são apenas maquiagens de vernis que vem bem a calhar para os caras de pau que visitam Brasília de vez em quando. Não discuto a importância dos eventos citados, porém acho extremamente ingênua a impressão que temos de que tudo parece estar às mil maravilhas, só porque conseguimos tais feitos. A massa precisa acordar, senão vai virar macarrão.

Arruda, enchentes, crise do etanol, juros exorbitantes, burocracia desanimadora, carga tributária mais pesada que bigorna, constante aumento nos salários de parlamentares, corrupção descarada, previdência falida, impunidade. Tudo isso faz parte do que há de pior por essas bandas, mas nem por isso, são capazes de manchar nossa dignidade e vontade de que tudo dê certo. Falta alguém botar ordem na casa, porque o marido tem chegado muito bêbado e assim fica difícil encontrar o ponto G. Temos que parar de fingir o orgasmo e dizer que estamos com dor de cabeça até o Brasil se tocar e tratar melhor quem lhe ama.








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