quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pois é, o frio existe.

Sua mãe dizia: "Se agasalhe meu filho". Mas ele nunca acreditou no frio. Assim como não acreditava na solidão. Era sua primeira noite na nova casa. Arejada, aconchegante e acolhedora, tinha tudo para ser seu canto preferido do mundo. Como casa foi usado anteriormente de forma figurativa, convém esclarecer que se trata de um apartamento. Aliás com uma bela vista da avenida Ipiranga. Sua autoestima tranquilizava seus nervos e iludia seu corpo de que ele estava totalmente preparado para enfrentar o mundo.

Ainda com o apartamento sofrendo com as tralhas da mudança e suas roupas aguentando sem claustrofobia o confinamento da mala, resolveu descer e reconhecer a região. Sua nova vizinhança. Era como se estivesse marcando território. Caminhando com as mãos no bolso, sentiu um cheiro delicioso de café. Apenas volveu a cabeça para a direita e viu uma simpática casinha de moldes antiquados (digo isso sem nenhuma intenção pejorativa). A porta era de madeira e a janela também. Tinha uma cor rosada, certamente se as mulheres a vissem inventariam um sobrenome muito criativo para ela. Algo como rosa framboesa. Enfim, isso não vem ao caso. Curioso, mesmo sem saber porque, resolveu ir até a casa e bater à porta. Parou em frente, serrou o punho e deu três toques rápidos na porta de cedro. A porta se abriu e revelou uma senhora, de por volta setenta anos.

_Olá. Boa tarde senhora.
_Boa tarde meu filho.
_Tudo bem?
_Tudo bem e com você?
_Tô bem também. É...Qual o seu nome?
_Benedita, mas todo mundo me chama de Dona Dita.
_Legal. O meu nome é...
_Julio?
_Como a senhora sabe?!
_Está na sua corrente.
_Ah! É verdade.
_Posso te ajudar em alguma coisa?
_É que eu acabei de me mudar para cá e estava precisando de um pouco de...
_Açucar?
_Não, não é isso. Talvez um café.
_Isso eu tenho e é dos melhores viu meu filho!
_Posso entrar?
_Mas eu não te conheço! Sou apenas uma senhora indefesa e se você for, sei lá, um ladrão?
_Se eu fosse um, não estaria conversando a todo esse tempo, concorda?
_É verdade, né? Então tá, entre meu filho.
_Com licença.
_Toda. Você gosta de biscoitos?
_Adoro!

Julio não acreditava, mas em sua primeira noite no mundo, ele foi se agasalhar do frio da solidão.
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