sexta-feira, 20 de julho de 2012

Vote nas Meias

Se for pensar pelos critérios da dimensão, é claro que qualquer província torna-se incomparável com um mero cubo mobiliado que carinhosamente chamamos de quarto. Porém o cuidado com as próprias meias aos seis anos de idade pode denotar habilidade – ou falta de – para assuntos de governança.

Nunca votem em mim. Confundo meus pares de meias, dobro sem nenhum resquício de geometria os meus cobertores e perco pecaminosamente as minhas canetas. Ou seja, se não consigo cuidar das minhas próprias miudezas, como seria a minha vida cuidando da sua?

Infelizmente não tivemos, e é provável que nem venhamos a ter, a possibilidade de conhecer as mães dos políticos dos quais disputam, ferozes, a nossa preferência. De certo que perguntaria sobre as meias. Mas principalmente sobre a falta de surra que tanto lhes faz necessária hoje em dia.

Filhos das putas!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Giba


O topete. O problema é o topete. Não consegue de jeito nenhum ajeitar os fios de cabelo de forma que os deixem no formato e curvatura suficientemente elegantes para o seu próprio agrado. Já são quase duas da tarde e o topete ainda não está legal. Após mais uma olhada no espelho de mão e outro suspiro de descontentamento, o pequeno Gilberto resolveu abstrair e procurar alguma forma de entretenimento. Como costumamos fazer com a dor, para não lembrar dela pedimos cócegas.
Levantou da gorda cadeira revestida de couro, espreguiçou-se e arranjou a gravata. Com o polegar opositor e o indicador abriu uma fresta na persiana e avistou o velho Viaduto do Chá. Viu os plebeus se trombando feito formigas e fez uma carinha de nojo. Só de lembrar da campanha eleitoral quase caiu de náuseas e correu para o álcool em gel.
Essa lembrança lhe deu uma ideia. Seria ótimo proibir o contato com o povo. Ainda mais nessa época da internet.
Apertou a tecla do telefone desinfetado e chamou a secretária.
_Cirlene, você poderia convocar o escrivão, por favor? Tive outra excelente ideia para um projeto de lei. Os vereadores vão adorar!
_Sim senhor, senhor Gilberto.
_Senhor? Olha lá como me chama Cirlene. Nada abaixo de excelentíssimo me agrada.
_Sim senhor, senhor excelentíssimo.
_Puta merda Cirlene. É “sim, excelentíssimo Gilberto”.
_Sim senhor.
_Ah vai se fuder! Você está proibida de ser minha secretária.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Faz Nada

Se não faz rir
Nem pensar
Se não faz sentir
Nem chorar
Só pode não ser arte...
...nem amor.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Lábios Rubros


O barulho líquido que faz a cerveja ao cair no copo roubou a atenção que ele prestava àqueles lábios lindos e rubros. Sem se dar conta de que o que saia deles percorria um caminho tortuoso de um ouvido a outro, porém sem a devida parada na consciência. Sabia que na verdade qualquer palavra proferida por ela soaria bem. Como todas as outras vezes preferia ouvir a falar. Afinal não encontrava motivos para interromper o deleite da observação. Novos contornos se exibiam a cada novo encontro. Novas razões para continuar calado, observando e criando na fertilidade da imaginação um cenário perfeito em tempo, lugar e situação. A garganta permanecia seca, mas a cerveja veio salvá-lo.
Ela pensava em duas situações. Quem realmente ele era e o que ele queria. Apesar de saber muito sobre o sujeito, tinha lá suas dúvidas quanto aos desejos e intenções do rapaz. Alguma coisa naquelas sobrancelhas dizia que valia a pena tentar descobrir, mas os olhos que não desgrudavam dos lábios a incomodavam, mesmo que isso também causasse uma estranha sensação de satisfação. Incrivelmente pensava em tudo isso sem deixar de falar um só segundo.
Ele via a noite nascer por detrás dos cabelos dela. Questionou-se se aquele tipo de encantamento poderia ser cessado quando quisesse. Desesperado caiu em si que não. Iniciou uma sequência devastadora de piscadas rápidas, a fim de umedecer as córneas. Ajeitou-se diversas vezes na cadeira. Bebeu de uma só vez a cerveja espumada do copo americano. Ficou tão inquieto que pediu licença interrompendo a oratória da garota dos lábios rubros e foi ao banheiro. A essa altura crente de que água no rosto traria o efeito de um bom tempo passado.
Ela assustou-se com o repentino sobressalto. Preocupada abandonou a elaboração de teorias sobre o futuro e suas escolhas. Levantou e foi à porta do banheiro saber se ele estava bem. Bateu delicadamente e perguntou com as pontas dos dedos o que ele tinha. Ele respondeu que estava bem, que só tinha levado um susto.
Ao ouvir a voz dos lábios rubros sem vê-los pela primeira vez, percebeu que a voz era tão doce e aveludada quanto a imaginava por inteiro. E o tom preocupado que ela tinha empregado na interrogativa fez sentir-se melhor, mais sereno.
Ela respondeu que o esperava de volta, na mesa.
Ele disse que já estava indo.
Ela só queria vê-lo e ter a certeza de que estava bem.
Ele jogou mais água no rosto.
Ela já não pensou em mais nada.
Ele também não.
Eles conversaram o resto da noite e pela manhã os lábios já não eram mais rubros.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Xeque


Descobriram durante uma maliciosa conversa de bar que a vida é cíclica. Uma velha novidade, martelada insistentemente pelos pioneiros dessa descoberta. Contudo, só fica verdadeiramente esclarecido sobre o tema, quem sente cada fim e começo e começo e fim. Aliás, esse negócio de começar e terminar e depois começar de novo é difícil de pegar. Ninguém vira especialista de tão principal matéria. A explicação é simples como dois e dois são quatro. A vida é cíclica. E se é assim, tudo muda. O jogo se alterna. Os peões viram bispos. E as rainhas, reis. Vai-se arriscando nas estratégias, elaborando possibilidades. Ao sabor das próprias conjeturas. Se joga com intensidade vital até que de uma hora para outra o xeque se apresenta. Por nossa vontade ou não. Apesar de saber que o fim é certo, ficamos sobressaltados por um certo receio subconsciente de um novo começo. Fazer o quê se é cíclica a vida? Traz mais uma Valdir.

domingo, 22 de abril de 2012

Rabisco

Se amasse além do que quisesse
Antes que devesse
Quem eu não pudesse
Seria nada mais que apenas
Eu; tentando provar
Que ao contrário do ideal
O amor é rebelde
E apesar de ser como é
Nunca quer acabar mal.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Frio na Barriga


No balanço quando te empurraram um pouco mais forte ou em uma ingrime descida em ponto morto. Geralmente é assim que nos acomete o primeiro frio na barriga. Dá vontade de chorar, mas um sorriso também desponta. “Que coisa é essa?” a gente se pergunta. Sensação estranha, gostosa e ruim. De querer de novo e de nunca mais. É o nosso paladar descobrindo o gosto de estar à deriva. Sem saber se é medo ou excitação. Ambos, talvez. Com o tempo, por capricho do mistério, o frio na barriga vai mudando o seu rosto. Se disfarça para nunca cair em desuso. Vira olhares, pegar na mão. Vira sim e vira não. Depois se traveste de amor. E quando de mal humor, de fim. Assim a vida vai, com o frio na barriga e suas traquinagens que nos temperam com sabor agridoce, só de sacanagem. Mas não se engane. Ele é o mesmo de sempre. Por mais que se fantasie, o frio na barriga continua sendo só a gente voando mais alto no balanço.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulheres


Adoro quando vocês tão delicadas me colocam no lugar. Me fazem entender que qualquer suposta pseudossuperioridade masculina é anulada por um simples ar mais tristonho que habilmente usam para conseguir o que bem quiserem. Eu me orgulho quando vocês estão por cima – e me xingam nesse exato momento por usar essa expressão ambígua, machista e de mal gosto – e fazem de nós meros instrumentos. Eu quero é ser lembrado como um súdito, que obediente acode suas rainhas quando elas se permitem chorar. Desejo nunca esquecer os seus gestos, ora sutis, ora fatais, porém sempre resguardando as unhas que acabaram de fazer. Vejo graça, no melhor entendimento da palavra, quando vocês se pintam com esmero e concentração achando que ficarão mais bonitas, mas não percebem que mesmo ao acordar vocês são tudo o que queremos ver. Eu torço para que enfim o mundo seja de vocês. Assim realizarei um velho sonho. Ser apenas um súdito.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Primeiro Voo

Se os dias fossem todos como aquele, certamente não os confundiria na memória. Apesar dos poucos e primeiros anos teve uma experiência que lhe deixou pasmado, incrédulo e flutuando. Sentado sobre a grama-capim, debaixo de um pé de jabuticaba, sentia um tédio natural de garoto da cidade. Pai e mãe trocavam novas com a avó dentro do casebre de madeira que cheirava aos anos passados. Era a primeira visita do pequeno rapaz aos aposentos interioranos da família. Seus pensamentos eram indecifráveis porque não dominava o vocábulo. Enquanto seus olhos e mãos se concentravam num brinquedo de plástico poligonal sentiu um rápido zumbido passar muito próximo de uma das orelhas. Pensou ser qualquer coisa que ele aprenderia a nomear somente alguns anos mais tarde. Continuou atento ao brinquedo. Quando um som doce e agudo lhe fez subir os olhos para frente. Era um bichinho pequeno e bicudo. A curiosidade de criança tomou seu pequeno corpo e o fez engatinhar até o bicho. Estendeu as mãos e o bicho subiu. O menino abriu um sorriso lindo e sincero. Sentiu o deleite da confiança. Mas então o bicho voou. Os seus olhos fitaram a trajetória do seu novo amigo, sua boca se abriu e lágrimas se apresentaram. O garoto descobriu pela primeira vez o que era um pássaro voando depois de tê-lo nas mãos. Saudade.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Eterna Adolescência

Quão pequenas são
As pequenas coisas, não?
Tão pequenas
Que não se distanciam do chão.
Dizem-me para vivê-las
Intensa e dementemente
Sequer consigo percebê-las
Mesmo escancaradas em minha frente.
Talvez seja esse o motivo principal
Da minha indecência.
Aludir a minha alma
À eterna adolescência.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Amém


Hoje pela primeira vez sinto que envelheci. Nada grave. Mas sinto. Acordei com um sol quente e muito amarelo sobre a minha cara e uma ligação. E de maneira inédita entendi que alguém lembrou de mim muito cedo. Saber da importância desse ato me esclareceu a minha verdadeira idade.

Passei por algumas coisas que me transformaram. Nem me reconheço mais. E o melhor de tudo é que acho isso incrível. Meus olhos se abriram para pessoas que sempre me deram muito mais do que um simples olá. Que me deram o presente da sua companhia. Mas antes, no auge da minha juventude cegueta, não conseguia dimensionar o papel que elas desempenham na minha linda vida.

Posso dizer que tenho amigos e família. De verdade. Nem sei se deveriam ter nomes diferentes. Os meus amigos são a minha família – é propositalmente ambíguo. Tenho em mim um sentimento de – até agora – dever cumprido pelo simples fato de ser franco, sincero com quem me cerca. E agora, comigo. Já não sei me esconder, nem interpretar. Talvez só no papel.

Tento todos os dias me conscientizar dos meus defeitos, das minhas manias. Pragas que antes não tinha ideia de que continha. Percebi que a minha personalidade é forte, a minha voz é grave e as minhas palavras ásperas. Combinação perfeita para a antipatia. Portanto comecei a me reeducar. Tentar falar menos, mais baixo, com menos certeza.

É um processo longo, contudo prazeroso, para entender que tipo de ser humano eu quero ser. Eu quero ser o melhor sabendo que nunca serei. Assim não deixarei de me incomodar com a minha própria postura, com meus próprios pensamentos. Ai então conseguirei não sossegar até a derradeira hora que sossegarem por mim.

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