sexta-feira, 29 de julho de 2011

Garçom

Garçom, por favor. Pode me trazer um desse aqui. É. Isso, o quatrocentos e sessenta e dois. No pão francês. Não me leve a mal. É que aquele outro pão não combina muito. Acho que vou tomar uma coca. Sem limão. Tenho gastrite. Eu fico louco com isso, mas o que eu posso fazer? A gente dá defeito também, né? Pensando bem, acho que não quero mais a coca. Humm. Esse suco de cupuaçu é bom? Nunca experimentei. Na verdade não fujo muito das convenções. Mas eu sempre quis experimentar esse aí de cupuaçu. É melhor do que o de açaí? É? Interessante. Estou curioso, mas tenho medo de errar. Se eu não gostar, é pecado jogar tudo fora depois, concorda? Ah, vai o de limão mesmo. O problema é que eu tenho gastrite. É melhor evitar os cítricos. Beterraba com laranja tem? É mesmo! Laranja também é cítrico. Que derrapada a minha! Me traz um de morango então. Traz o barbecue também. Não tem? Que chato hein, fala pro teu chefe adquirir uns barbecue aí meu filho. Senão espanta a clientela. Que cara é essa? A minha mãe o quê? Entendi, pensei que tivesse ouvido outra coisa. 

terça-feira, 26 de julho de 2011

Língua

Uma nova língua
Que tenha outras palavras, menos quadradas
Menos teimosas, de fonética adocicada
Que encaixe em voz rouca
A sua voz rouca e cantada
Chamando-me pelo apelido
Que acabara de inventar.

Essa nova língua teria o seu nome
Falada apenas por deuses e por mim
Pra que ninguém nesse mundo pudesse entender
O que eu te disse enfim
Depois que novas palavras,
novas figuras eu pudesse aprender
Para poder traduzir
O que eu queria soltar,
mas insistia em prender.

É a nossa língua, meu bem
Que estou a falar com os olhos
Que não tem dicionário
Nem mestre, acento ou apóstrofo
São as nossas línguas, meu bem
Que juntas em suas carícias
Descartam qualquer desdém.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Dia de Todo Mundo

Outro dia aí me disseram que era dia do amigo. Acho que é o único dia de alguma coisa em que todos somos os homenageados. Se o indivíduo não tem capacidade para alimentar uma amizade com outro ser humano, recorre à fauna. Alguns dizem até que bichanos e vira-latas cumprem melhor a função do que os homens - do que as mulheres não há dúvida.

Como senti-me congratulado por acreditar ser um bom amigo resolvi me presentear. Comprei um presente que eu odiaria em qualquer circunstância, mandei embrulhar com qualquer papel e escrevi umas palavras avulsas num cartão horrendo estampado com um cogumelo com cabeça de morango. A intenção era simular a aquisição de uma pequena lembrança para um amigo querido. Percebi então que eu era um grandessíssimo  filho da puta.

Descobri também como são amigos meus amigos. Porque entendem que a filhadaputagem é um fator inerente à amizade. A amizade permite errar (sem excessos, pessoal), o amor não. Portanto vai aqui um pedido de desculpas por agir de maneira tão inconsequente com vocês, amigos.

Mas também, quer saber? Vocês são iguaizinhos a mim. Então, foda-se, vamos tomar uma gelada.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Insônia

De quanto café preciso?
Para me manter acordado
Montando as frases ideais
De meus pensamentos avoados

Me beije, me cubra
Com seus lábios grossos
De pele rubra
Faça meus sonhos destroços

Amanhã acordo cedo, acordo só
Cheirando o café que me manteve
Como ele só o pó

Mesmo derrotado pelo sono
Acredito no engano
Que a gente ainda é nó

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A Difícil Jornada Do Acéfalo Por Opção

É odioso começar qualquer texto com um ditado popular. Mas perdoem-me, é necessário. Portanto aí vai. "O pior cego é o que não quer ver". Bonito isso. Profundamente tocante e dolorosamente verídico. Me faz pensar em tantas coisas que nem consigo organizá-las a fim de deitá-las em letras aqui. Mas uma dessas coisas se destaca no meio das minhas divagações. Uma paródia da anedota citada. Algo tão original quanto "O pior cego é o que não quer pensar", ou então, "O pior ignorante é o que não quer saber". Enfim decidi que não tentaria perpetuar nenhuma dessas opções. Mas o olho do furacão está exatamente na essência dessas tentativas frustadas de emplacar um novo ditado. Engolindo ferozmente, sem dó, qualquer esperança que ainda reste no ser humano e em suas atitudes - quase todas - questionáveis. E como ser humano que sou (até segunda ordem) tomei a liberdade de questionar meus companheiros de raça. Eu tu nós vós eles. Todos inclusos. Não pense que você é especial, muita gente acha isso, o que o torna comum. Questiono a proeza de abrir mão do raciocínio. Somos bípedes e temos um polegar opositor (oh!), considerados a raça racional. Porém conseguimos optar por não pensar, quando não queremos. Dá preguiça às vezes, eu sei. Ninguém pensa ao responder se quer ou não um pedaço de chocolate, ou quando se está excitado. O problema é não-pensar ao ponto de perder a prática.


Jéurison levanta e faz a barba com o creme que é um Fenômeno. Liga a TV e acredita nela. Evita café porque disseram que faz mal à saúde. Pega a linha 3459 e enfrenta três horas e meia de viagem, quando podia tomar o trem e chegar ao destino gastando metade do tempo. Mas não faz isso porque na época dele o trem era frequentado por arruaceiros e maconheiros. Tropeça num buraco e é atingido por um bueiro voador, xinga o prefeito - só falta o prefeito ouvir, mas isso é um mero detalhe. Ganha mal como jardineiro, até queria ser outra coisa, mas sua mãe diz que é um trabalho honesto. Está certa a velha, mas que ele ganha mal, ah ganha. Planta girassóis no inverno porque o patrão manda, dali a dias quem gira é a lua. Não perguntei a religião, mas é fiel. A vida é dura para Jéurison. Ele tem preguiça de pensar.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Entrelinhas

As entrelinhas são discretas, até demais. Guardam segredos que ouvem direto dos lábios do coração. Ele, o coração, é tímido e só confia nas próprias entrelinhas. E sofre com a discrição alheia porque não consegue sozinho entender o que tentam lhe dizer. Fica acanhado, apertado, acelerado amiúde. Tenta pedir conselho à razão. Coloca empecilhos nas teorias que gostaria muito de acreditar, que procedessem. Tudo por culpa da impossibilidade de decifrar o que as entrelinhas dela escondem sem querer esconder. Um gesto, um desvio de olhar. A fuga dos olhos para qualquer lugar denuncia que há algo que o coração dela sussurrou, baixinho e quente dizendo “ei, é segredo”. Quando na verdade quer mais é que o mundo saiba, que ele saiba. Pra que os corações – dele e dela - possam bater daquele jeito que só se bate quando não há mais entrelinhas trabalhando, quando os olhos assumem o posto e entregam na maior dedoduragem o que as entrelinhas não tinham coragem de contar. Poderia ser mais fácil, mas aí, qual seria a graça? 

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Um Pouco Mais

Fala mais
um pouco mais, só
Gosto da sua voz
É doce e inocente
Ao contrário de você
Que deixa à margem qualquer dó
Ao esconder-se do sol
do meu olhar
que insiste em te ver

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Meus Aforismos Parte I

-Eu acredito no amor. Mas ele não acredita em mim.

-Penso grande, muito grande, sempre. A queda é maior, mas pelo menos dá pra cair de paraquedas.

-Escrevo muito do que gostaria de falar. Penso muito do que gostaria de escrever. Falo pouco do que deveria dizer.

-Humor é uma arte. E a arte não tem limites.

-Expectativas não servem pra nada.

-Romântico, da segunda fase ainda.

-Poesia é filosofia cantada.

-Cretino é uma palavra tão pouco usada. Gosto dela.

-Esses extremistas são um porre.

-Organizar as ideias pra quê? Gosto tanto delas bagunçadas.

-Crise não é uma palavra unilateral.

-Se todo mundo praticasse o moralismo que prega, o mundo seria um 
santuário.

-Ser muito exigente e ter mal gosto é uma combinação fatal.

-É fácil gozar a vitória. Difícil é engolir a derrota.

-Realidade aumentada é ficção.

-Há certas coisas que não consigo enxergar a genialidade atribuída a elas. 
Supervalorização da obra ou ignorância minha?

-Se o dito "Você vale o que você tem" fosse verdade, eu seria o maior canalha da paróquia.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Seja Ideal

Você está terminantemente proibido de sentir qualquer tipo de tristeza, angústia ou ausência de humor. Você é obrigado a sorrir para tudo e todos, todos os dias. É inconcebível que você deixe transparecer qualquer fraqueza. Errar é fatal. Tenha os melhores bens. E o melhores mals também. Tenha tudo. Saia por cima em qualquer situação, mesmo que você esteja errado. Quem liga para a coesão das coisas? O que importa é ser genial. Seja o mais magro, o mais belo. Só não caia na estupidez de pensar, isso te denigre, já que uma vez pensador, não vai conseguir segurar em sua boca certas coisas. Coisas essas que são verdades. E verdades não são para os perfeitos. Perfeição? Sim ela existe. Existe porque as pessoas mentem. Minta! Assim você só diz o que todos querem ouvir. Massageie o ego – próprio e o alheio.  Dispa-se de princípios, estão fora de moda. Seja imediatista e superficial. Aprofundar-se muito é sinônimo de compromisso, não é isso que você quer, não é verdade? Compre muito. Não valorize os sentimentos. Diga eu te amo a qualquer um. Isso já não significa nada mesmo. Gaste água, queime qualquer coisa. Brinque com as almas, chame-as para dançar. Faça o que quiser e faça agora. Não é necessário preocupar-se com as conseqüências. Afinal, você será esquecido de qualquer maneira.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Eu Xingaria o Papa

Eu xingaria o papa. Puta cara folgado! Sentado o dia inteiro em alguma cadeira com arabescos coloniais em madeira e almofada de veludo fingindo ser um mensageiro do Divino. Deus deve se envergonhar do papa e de todos que sonham em beijar-lhe a mão enrugada. Observando por entre as nuvens com a sua visão de altíssima definição, uma infinidade de gente ao redor de um senhor que depois de passar uns bons dias enclausurado com outros senhores - e alguns meninos (infame!) - foi eleito por uma fumaça, a Sua Santidade. Olha o absurdo! Se o tal sujeito fosse mesmo um indivíduo sacrossanto teria a honra de ser eleito pelo chefe e não pelos pares.

Mas voltando ao assunto, acho que o “vai tomar no cú” mais encorpado e volumoso que minha boca poderia proferir seria para o papa. Não que eu tenha alguma aversão religiosa. Não! Nada disso. Não sofro de teofobia – aliás, acho essa mania de colocar o sufixo fobia em qualquer frescura é um sintoma de hipocondria coletiva. O problema é com o velho e todos aqueles anciões que passaram a vida inteira internados e acham que podem dizer ao mundo o que ele deve fazer. Mas o papa é, em especial, irritante. Eu até gostava do outro, era um velhinho simpático. Mas esse, não dá. Talvez eu tenha sido influenciado pelo passado nazi dele, mas também ele não faz nada pra mudar isso!

Quer saber? É isso. O papa me irrita e eu gritaria um grande foda-se pra ele. Peço desculpas aos seus fãs mas eu tenho esse direito. O direito de desvergonhar Deus.
Licença Creative Commons
A obra Assunto Popular Brasileiro de Diogo Dias foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada