quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Era Ela

Era um dia ruim. Acordou como se não tivesse dormido. Mas se consolou por crer que o dia anterior havia sido pior. Não conseguia tirar da mente certos pensamentos carregados o suficiente para encher seu coração de angústia. Saiu de casa com a certeza de que nada o desviaria do caminho torturador de um dia cheio de tédio e da escassez de bom humor. Direcionava os olhos para todos os cantos e pessoas. Imaginava se eram felizes. Mas os semblantes eram pálidos demais para que pudesse tirar qualquer conclusão. Não conseguia parar de repetir em pensamento o que sempre sonhou dizer. E percebeu que tudo o que sonhara dizer, já foi dito. E sua espinha gelava quando relembrava tais fatos, e usava o auto flagelo emocional por entender que quando disse não disse da forma mais correta, ou emocionante. Passou o dia todo refletindo, sobre possíveis desfechos. Trágicos, felizes, felizes pra caralho. Mas é complicado deixar a felicidade ganhar, não é? Os trágicos, por mais que fossem minoria, causavam maior estrago. Ao voltar para casa, um certo vazio o tomou. Atacou diretamente a mente e o coração. Desesperou-se como se estivesse com câimbras na água, naquele lugar do mar onde já não dá pé. Queria beijá-la ali, naquela hora. Mas ela não estava. Não se sabe onde ela estava. "Não importa" dizia ele, "Só preciso beijá-la". Tentou ligar seu pensamento ao dela. O sinal estava ocupado. Chegou em casa com a agonia de ter que encontrar alguém, qualquer alguém. Queria ficar só. E deu uma puta sorte. Ao passar a chave e abrir a porta, encontrou sua maior companheira, a solidão. Ganhou um beijo doce de boas vindas que o fez lacrimejar. Despiu-se. Peça por peça. Pegou o violão e acariciou as cordas sem vibrá-las. Um carinho mudo. Até que tocou. A mesma música umas vinte e cinco vezes. A canção era sua. Não estava pronta, mas ele já a adorava. A cada nova interpretação, rimas, melodias e ritmos trocavam de lugar em sua memória. Cada vez que tocava, uma nova música surgia, mas para ele, era sempre a mesma pois dizia somente uma coisa. Cansou de pressionar os antigos calos contra as cordas de aço. Sentiu-se sozinho demais e resolveu ligar a TV para ver se algum personagem poderia trocar meia duzia de palavras com ele. Lembrou do uísque que tinha guardado e deu o primeiro sorriso do dia. Caminhou até seu quarto com o copo cheio do líquido de cor maltada e aroma de madeira. O primeiro gole foi mais quente do que imaginava, mas mesmo assim gostou. Sentiu o destilado descer pelo corpo, esquentando-o inteiro num prazer solitário e reconfortante. Colocou Ela é Carioca na vitrola. Chamou a solidão para dançar, e ela prontamente aceitou. Os passos arrastados no cubículo do seu quarto o faziam desejar que Ela fosse realmente carioca, só para fingir que foi ele quem a escreveu. O acaso não o deixou se passar por Jobim. Mas sua musa com certeza se passaria por carioca. De alguma forma a canção se foi e restou o silêncio e o copo pela metade ainda. Lembrou de Tatuagem, de Chico. A música tocou sem parar até que o uísque se fosse por inteiro. Ele bailava com a solidão. Via em sua sombra uma beleza sublime que o convenceu de que deveria pintá-la num quandro em formas geométricas negras. Era só torpor. Era a bailarina que se alucina. Era a cicatriz risonha e corrosiva. Era a saudade Dela.

Um comentário:

  1. ...a pureza dos sentimentos está na reação do sujeito... ficar só e só ficar só... desejar e sentir a saudade... ao som do que bem entender... deixar o whisky descer pelo corpo e ver que mesmo com aquela sensação, ainda está vivo...

    ResponderExcluir

Licença Creative Commons
A obra Assunto Popular Brasileiro de Diogo Dias foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada