terça-feira, 29 de maio de 2012

Lábios Rubros


O barulho líquido que faz a cerveja ao cair no copo roubou a atenção que ele prestava àqueles lábios lindos e rubros. Sem se dar conta de que o que saia deles percorria um caminho tortuoso de um ouvido a outro, porém sem a devida parada na consciência. Sabia que na verdade qualquer palavra proferida por ela soaria bem. Como todas as outras vezes preferia ouvir a falar. Afinal não encontrava motivos para interromper o deleite da observação. Novos contornos se exibiam a cada novo encontro. Novas razões para continuar calado, observando e criando na fertilidade da imaginação um cenário perfeito em tempo, lugar e situação. A garganta permanecia seca, mas a cerveja veio salvá-lo.
Ela pensava em duas situações. Quem realmente ele era e o que ele queria. Apesar de saber muito sobre o sujeito, tinha lá suas dúvidas quanto aos desejos e intenções do rapaz. Alguma coisa naquelas sobrancelhas dizia que valia a pena tentar descobrir, mas os olhos que não desgrudavam dos lábios a incomodavam, mesmo que isso também causasse uma estranha sensação de satisfação. Incrivelmente pensava em tudo isso sem deixar de falar um só segundo.
Ele via a noite nascer por detrás dos cabelos dela. Questionou-se se aquele tipo de encantamento poderia ser cessado quando quisesse. Desesperado caiu em si que não. Iniciou uma sequência devastadora de piscadas rápidas, a fim de umedecer as córneas. Ajeitou-se diversas vezes na cadeira. Bebeu de uma só vez a cerveja espumada do copo americano. Ficou tão inquieto que pediu licença interrompendo a oratória da garota dos lábios rubros e foi ao banheiro. A essa altura crente de que água no rosto traria o efeito de um bom tempo passado.
Ela assustou-se com o repentino sobressalto. Preocupada abandonou a elaboração de teorias sobre o futuro e suas escolhas. Levantou e foi à porta do banheiro saber se ele estava bem. Bateu delicadamente e perguntou com as pontas dos dedos o que ele tinha. Ele respondeu que estava bem, que só tinha levado um susto.
Ao ouvir a voz dos lábios rubros sem vê-los pela primeira vez, percebeu que a voz era tão doce e aveludada quanto a imaginava por inteiro. E o tom preocupado que ela tinha empregado na interrogativa fez sentir-se melhor, mais sereno.
Ela respondeu que o esperava de volta, na mesa.
Ele disse que já estava indo.
Ela só queria vê-lo e ter a certeza de que estava bem.
Ele jogou mais água no rosto.
Ela já não pensou em mais nada.
Ele também não.
Eles conversaram o resto da noite e pela manhã os lábios já não eram mais rubros.

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