domingo, 25 de abril de 2010

Conto de Dois

A cidade parecia mais agitada do que de costume. O café diário na padaria de frente à praça estava com gosto diferente, talvez mais amargo. Olhou no relógio e já eram dez da manhã, mas não parecia. O céu estava nublado, mas não a ponto de temer a chuva. A temperatura amena permitia roupas leves, uma camisa de mangas curtas e jeans, pra variar. Sua capacidade de concentração não estava em seus melhores dias. Ele não prestou atenção ao valor a ser pago ao caixa da padaria e mesmo que tivesse olhado para o aparelho televisor a maior parte do tempo em que esteve ali, não conseguiu traduzir nenhuma palavra para o consciente. Era um dia estranho. O que não quer dizer bom ou ruim, apenas estranho.

Sua agitação casual não era por acaso. Um dia importante para ela. Tinha se empolgado com a maquiagem e na escolha das roupas, só esquecera do tempo. Quando se deu por si estava no limite de seu horário de saída. Apressada se lançou à rua como se tivesse que tirar seu amado pai da forca. Ignorou o céu nublado e largou de mão seu guarda-chuva que estava no sofá da sala. A pressa fazia com que o relógio andasse mais rápido e o mundo mais lento. Não adiantava tentar não pensar no seu inevitável atraso. Elaborava histórias e situações tão convincentes para usar como desculpa que logo às descartava por achar que eram perfeitas demais. Enquanto era chacoalhada pelo ônibus, batia um certo desespero depressivo que a deixou triste. E uma lágrima caiu marcando seu rosto com um traço negro.

Ao sair da padaria, abriu os braços para o mundo e sorriu comemorando a estranheza do dia. Viu o céu cinza, o asfalto cinza, as pessoas cinzas e viu a praça. A praça era verde e foi o que o encantou. Esperou até o semáforo lhe permitir passagem e atravessou a rua a passos largos até chegar à outra calçada, onde estava o verde. Em meio a um caos já considerado comum, percebeu que aquele talvez fosse o seu refúgio momentâneo. Sentou-se num banquinho de concreto, cruzou as pernas e colocou seus braços abertos apoiados no encosto. Assistia tudo o que se passava perante os seus olhos como se estivesse fora daquele mundo. Perguntou-se o por que estava ali sentado numa praça qualquer, observando coisas que nunca tinha reparado. Não encontrou respostas.

Para coroar sua frustração, o ônibus que estava quebrou ainda distante do seu destino. A linda garota entregou-se ao pranto, como se tudo tivesse acabado naquele dia. Desceu do veículo e sentando na calçada sentiu seu coração apertar, pensando nas conseqüências de não comparecer ao tão importante compromisso.
Enquanto chorava com a cabeça entre os joelhos sentiu uma gota d’água deslizar em suas costas. E depois outra gota, e outra e outra. Estava chovendo e ela não havia levado seu guarda-chuva. Viu do outro lado um rapaz correndo em direção a um coreto que ficava no centro de uma praça. Achou uma boa idéia. Correu para lá também.

No coreto ele ria descontroladamente sem saber porque. De repente a viu correndo em sua direção. Extasiou-se com aquela imagem que parecia uma visão divina. Ela por outro lado estava preocupada em não se ensopar por completo. Subiu a pequena escada e finalmente se abrigou. Respirando fundo para se recompor ela viu o rapaz a olhando fixamente, achou estranho, mas não se importou, desviou o olhar e continuou a amarrar seus longos cabelos. Ele ainda paralisado pelo encantamento que lhe tomou os sentidos viu que a maquiagem borrada denunciava que talvez o dia não tivesse sido bom para ela e disse: “Talvez queira lavar o rosto.” Ela respondeu: “Talvez eu queira lavar a alma.”
O coreto então tornou-se apenas um ponto de encontro para uma dança na chuva.

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